sábado, 13 de março de 2010

ANTÔNIO CONSELHEIRO: A LUTA CONTRA A OPRESSÃO

“O homem era alto e magro... sua pele era escura, seus ossos proeminentes e seus olhos ardiam como fogo perpétuo. Calçava sandálias de pastor e a túnica de azulão... era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história...”.

Este, o perfil de Antônio Conselheiro, na visão poética de Mário Vargas Llosa.

No último quartel do século XIX, a figura de Antônio Conselheiro tornou-se um dos principais assuntos do país, com espaço garantido na imprensa, nos fóruns, nos parlamentos, nos gabinetes administrativos, nas igrejas... A saga deste homem resultou no surgimento de uma das mais extraordinárias experiências de organização popular que a história do Brasil já conheceu: o arraial de Canudos ou Belo Monte.

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, então província do Ceará, no dia 13 de março de 1830. Era filho do comerciante Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina do Nascimento. Quando jovem frequentou uma das poucas escolas que havia na sua região, onde aprendeu Português, Aritmética, Geografia, além de rudimentos de Latim e Francês. Já naquela época, Antônio demonstrava interesse pela leitura da Bíblia.

As constantes lutas entre os Maciel (família de Antônio Conselheiro) e a família Araújo, sua rival, marcaram profundamente a pessoa de Antônio Vicente, ainda em plena infância. Os Maciel eram, constantemente, acusados de roubos nas propriedades dos Araújo. Essas acusações resultavam em lutas “das mais sangrentas dos sertões do Ceará”, como descreve o historiador João Brígido. A justiça, sempre do lado mais forte, embora reconhecesse a inocência da família Maciel, preferia tomar a defesa dos Araújo.

Era esse o mundo de Antônio Vicente Mendes Maciel. Era esse o Nordeste Brasileiro: chão de injustiça, opressão, dominação, impunidade, seca, fome... mas, também, de muita resistência!


ENVAGELIZAR SEM ARMAS


Homem profundamente religioso, Antônio Vicente não podia dizer “amém” à situação de miséria que tomava conta do Nordeste. Durante 20 anos percorre vários estados nordestinos. Seu propósito era se inteirar dos problemas da região para, a partir daí, empreender a sua missão. Ele sonhava com uma terra livre da dominação dos coronéis.

Antônio não apelou para as armas, nem optou por mecanismos político-partidários. Buscou, antes, transformar a realidade, à luz da palavra libertadora de Deus. O mesmo Deus que caminha com o povo, desde os tempos de Abraão. Por conta dessa missão, Antônio Vicente se converte em Antônio Conselheiro. Sua missão não se restringe apenas a palavra. Envolve, também, a ação. Só a palavra não basta!

Túnica azul, alpercata e bordão! Assim, o profeta sertanejo vai conduzindo seu povo. No início são poucos, depois serão multidões. E a terra da promissão? Estão a caminho! E, enquanto caminham, vão surgindo as construções. Constroem açudes, cemitérios, estradas, capelas... Constroem de acordo com as carências dos pobres que encontram pela frente. Antônio Conselheiro era bom construtor. Herdara do pai essa experiência.

Muitas dessas edificações, ainda podem ser vista por estes sertões. Dois exemplos clássicos são Chorrochó e Monte Santo. Na primeira, a igreja do Senhor do Bonfim; na última, a reforma de parte do caminho da Santa Cruz.


LUGAR SEM RICOS E POBRES


Após longos anos de peregrinação, o grupo resolve se estabelecer em local fixo. O lugar escolhido, Canudos, era uma antiga fazenda de gado situada às margens do Rio Vaza-Barris. As terras eram úmidas e férteis, devido às águas do grande rio, o que proporcionava uma boa agricultura. A vegetação à base de arbustos e favelas favorecia a criação de bode. A pele deste animal chegou a ser exportada para o exterior. Em quatro anos (1893-1897) o arraial aglomerou de 10 a 15 mil pessoas, sendo uma das maiores cidades do estado da Bahia.

Canudos era uma comunidade solidária. Cada um tinha, de acordo com suas necessidades. Ali havia escola e serviço de saúde. Tinha também uma igreja, onde a comunidade se reunia para louvar a Deus. Era uma nova sociedade, muito diferente daquela semi-feudal do restante do Nordeste. O povo vivia decentemente e não dependia dos coronéis. Não demorou muito, e Canudos começou a abalar a velha estrutura rural. A “Canaã do Povo” corria perigo!

A partir de novembro de 1896 se intensifica a perseguição contra a comunidade de Antônio Conselheiro. Com o propósito de construir uma igreja maior em Canudos, o peregrino negocia compra de madeira em Juazeiro. O material comprado e pago, não foi entregue no prazo determinado. A construção, contudo, tinha que continuar. Então, os canudenses tomam a iniciativa de irem, eles mesmos, a Juazeiro a fim de conduzir a madeira até Canudos. A notícia chega à cidade san-franciscana e soa mal aos ouvidos do juiz daquela comarca, Dr. Arlindo Leone, antigo desafeto do Conselheiro. O magistrado alarmou por toda a cidade e vizinhança que os canudenses estariam preparando um saque à feira de Juazeiro. Era a oportunidade que Leone esperava, para acertar contas com Antônio Conselheiro.


RESISTÊNCIA ÀS EXPEDIÇÕES


Sob pretexto de que a cidade de Juazeiro estava prestes a ser invadida por moradores de Canudos, Arlindo Leone requisita do governador da Bahia, Luiz Viana, proteção policial, a fim de conter a suposta invasão. O juiz é atendido, e para Juazeiro é enviada a primeira expedição militar. Composta de 100 praças e comandada pelo tenente Pires Ferreira, esta expedição é derrotada pelos canudenses no combate de Uauá.

Imediatamente é organizada a segunda expedição que, sob o comando do major Febrônio de Brito, tinha 543 praças, 14 oficiais e três médicos. Essa expedição também não resistiu. Foi batida pelos sertanejos, que se valiam de armas rústicas, como espingardas, facões, machados, etc.

Para comandar a terceira expedição contra Canudos, escolheram “a maior estrela do florianismo” – na expressão de José Antonio Sola – o coronel Antônio Moreira César, já famoso por ter liquidado a Campanha Federalista de Santa Catarina. Essa expedição reunia 1.300 homens. Também foi derrotada pelos seguidores de Antônio Conselheiro. Moreira César morreu no início dos combates.

A quarta expedição, destinada a fechar o cerco contra Canudos, foi dividida em duas colunas. Uma coluna partiu de Sergipe, a outra de Monte Santo. A primeira, comandada pelo general Savaget; a segunda sob o comando do general Silva Barbosa. Essa expedição contava com batalhões de 11 estados da Federação.

Depois de muita resistência, tanto do lado do Exercito, como do lado dos sertanejos, Canudos, finalmente, é derrotado. Foi quase um ano de resistência. Tombou por completo no dia 5 de outubro de 1897. Antônio Conselheiro morreu no dia 22 de setembro. No dia 06 de outubro seu corpo foi exumado, decapitado e seu crânio levado a Salvador, a fim de ser examinado cientificamente. Foi uma grande chacina. Nessa guerra morreram milhares de pessoas entre sertanejos e “homens do Governo”.
Euclides da Cunha, jornalista que acompanhou o desenrolar da quarta expedição, escreveu no final d'Os Sertões”, o seu livro vingador: “Canudos não se rendeu, exemplo único em toda história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.

Sobre esses “quatro”, Enrique Duque Estrada de Macedo Soares, tem melhor descrição: “um velho, um rapaz de 10 a 18 anos, um preto e um caboclo”. Para Edmundo Moniz, aí estava a representação das três raças que, unidas, lutaram contra a fome, a miséria e a opressão.


José Gonçalves do Nascimento
(Membro da Academia de Ciências, Artes de Letras de Senhor do Bonfim)

(Nota: artigo publicado, originalmente, no Jornal de Opinião, de Belo Horizonte, edição de 12-18 de agosto de 1990)

segunda-feira, 1 de março de 2010

SENHOR DO BONFIM E A GUERRA DE CANUDOS

Instalado às margens do rio Vaza Barris, em 1893, por obra de Antônio Conselheiro, Canudos foi, talvez, o maior exemplo de insubordinação popular que a história do Brasil já registrou. Em apenas quatro anos (1893-1897), o arraial, que começou com um número pequeno de pessoas, já era um dos maiores centros populacionais do interior da Bahia, sendo responsável, inclusive, pela sua autossustentação. Seu status de sociedade autônoma e insubmissa aos ditames oficiais terminou despertando a ira das elites brasileiras, as quais resolveram apelar para o confronto. Assim, tinha lugar a guerra de Canudos. A luta, que durou cerca de um ano, mobilizou quatro expedições do Exército Brasileiro e matou milhares de pessoas, entre soldados e adeptos do Conselheiro.

Ao vasculhar os anais da história bonfinense nos deparamos com informações altamente valiosas, acerca da participação de Senhor do Bonfim nos fatos relativos ao episódio de Canudos.

A primeira delas, quem nos traz é o ilustre escritor Nertan Macedo, numa publicação dos anos sessenta, e se refere a dois irmãos cearenses, Antônio e Honório Assunção – os irmãos Vilanova, como ficariam conhecidos mais tarde. Os dois foram tangidos do Ceará pela terrível seca de 1877, vindo parar na então Vila Nova da Rainha, donde o cognome Vilanova. Antônio era comerciante; Honório, mais moço, era seleiro. Estabelecidos na nova terra, aqui fizeram vida e constituíram família.

Certa feita, o cônego Pedro Hugo chamou Antônio Vilanova e disse: “Sei que você gosta de mascateação. Vou fazer uma desobriga e você vai comigo. Poderá vender muito pelo caminho.” E se foram, ambos, caatinga a dentro. Em Uauá, última etapa da desobriga, Antônio deixa o cura e prossegue viagem até Canudos, unindo-se a um grupo de peregrinos que demandava o “arraial sagrado”. O mascateador gostou tanto de Canudos, que terminou ali ficando. De Vila Nova da Rainha, Honório ia despachando a mercadoria que Antônio solicitava, de sorte que Canudos passou a abastecer-se, basicamente, das mercadorias oriundas da então futura Terra do Bom Começo. Tempos depois, a convite do irmão, Honório Vilanova também mudaria para Canudos.

Não demorou muito, e os irmãos Vilanova se tornaram detentores do maior estabelecimento comercial de Canudos, o que lhes conferiu prestígio e os fez participar do grupo das pessoas mais influentes do séquito conselheirista. Antes de findar a guerra, e com o consentimento de Antônio Conselheiro, os dois voltariam para o Ceará, levando boa parte de suas fortunas.

Outras informações dignas de nota dizem respeito à fase da guerra, propriamente dita, e têm como responsável o escritor bonfinense Lourenço Pereira da Silva, no livro Memória Histórica e Geográfica da Comarca do Bonfim, de 1915. Contemporâneo dos acontecimentos que abalaram o sertão da Bahia, no final do século XIX, Silva nos oferece informações muito valiosas, no que se refere à participação de Senhor do Bonfim na guerra de Canudos.

Vejamos os fatos.

No início de março de 1897, após o fracasso da 3ª expedição, comandada pelo coronel Moreira César, o Conselho Municipal, sob a liderança de João Martins Fontes, emitiu a seguinte nota de pesar: “O Conselho Municipal da cidade do Bonfim, vivamente impressionado pelo insucesso da expedição enviada pelo governo federal para destroçar os fanáticos de Canudos, capitaneados por Antônio Conselheiro (...), deixa consignada aqui a expressão de seu profundo pesar por tão lamentável acontecimento”. O mesmo Conselho votou, no final de março, um projeto do intendente Antônio Laurindo da Silva, que dava a alguns logradouros de Bonfim, nomes de oficiais mortos durante o enfrentamento da 3ª expedição. Pelo projeto, as antigas praças do Campo do Gado e do Reservatório passaram a se chamar Coronel Moreira César, e Capitão Salomão, respectivamente. Já o Coronel Tamarindo batizou uma rua que surgia atrás da praça Dr. José Gonçalves. A essas manifestações seguiram-se, ainda, duas missas de trigésimo dia, que a municipalidade mandou celebrar, em sufrágio dos mortos.

Com a chegada da 4ª expedição ao teatro da luta, estreita-se ainda mais a relação de Senhor do Bonfim com a guerra de Canudos. É revelador neste sentido, o fato da antiga Vila Nova da Rainha ter se transformado no principal centro de fornecimento de víveres para as forças legais, “subindo a cerca de dez mil, o número de bovinos fornecidos no espaço de sete meses”.

Concomitante a isso, a filarmônica União e Recreio arrecadou e entregou quase três contos de réis ao Comitê Patriótico da Ba
hia, uma organização não governamental fundada, à época, com a finalidade de prestar socorro aos soldados envolvidos no conflito.

Finda a guerra, a cidade foi palco de várias manifestações, em comemoração à vitória das forças expedicionárias. Ao som da União e Recreio, diversas autoridades e famílias de Bonfim se dirigiram à cidade de Queimadas, em trem especial, a fim de aplaudir de perto o comandante das forças em operação, general Artur Oscar Guimarães.

Não menos calorosa, foi a recepção que a população bonfinense fez ao coronel José Siqueira de Menezes, que esteve em Senhor do Bonfim poucos dias após o término da guerra. Meneses, um dos militares que mais se destacaram no campo de batalha, foi recepcionado no antigo Hotel Loureiro, onde participou de jantar oferecido em sua homenagem.

Portanto, Senhor do Bonfim teve participação relevante nos fatos de Canudos. Mais ainda: sua participação foi decisiva para que tais fatos tivessem o desfecho que tiveram.



José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Senhor do Bonfim - ACLASB)