Ano passado, nessa mesma ocasião, o Brasil e o mundo acompanhavam consternados os horrores da catástrofe que se abateu sobre o povo do Haiti, em consequencia de violento terremoto que abalou a pequena e pobre nação caribenha. Sensibilizado com o acontecimento, o planeta todo se mobilizou e uma grande rede de solidariedade (talvez a maior na história humana) logo se constituiu, em favor das vítimas do desastre. Esse gesto, aliás, tornou-se a grande marca daquele triste episódio, sobrepondo-se ao sofrimento, ao desespero, ao flagelo – uma lição para a humanidade!
Os deslizamentos de terra ocorridos este ano na Região Serrana do Rio de Janeiro, ceifando a vida de centenas de pessoas, embora de proporção menor, nos fazem lembrar a tragédia haitiana. A par do sofrimento e da dor de milhares de famílias que choram a perda dos seus entes queridos, vemos, também aqui, entre nós, avultar o sentimento de solidariedade. Da mesma forma como ocorreu no Haiti em termos mundiais, o Brasil também se encontra mobilizado em torno da causa dos irmãos fluminenses e da reconstrução das cidades devastadas.
Mas o paralelo termina aqui. No caso do Haiti tratou-se de uma tragédia imprevisível, inevitável, obra da fatalidade! No caso da Região Serrana, não. Ali tudo era previsível, era evitável. Dias antes dos desastres, institutos de pesquisas meteorológicas já previam que grandes volumes de água haveriam de cair sobre a bela região do interior do estado do Rio de Janeiro. No entanto, nenhuma providência foi tomada. Não deram a menor importância ao fato. Até se esqueceram de que aquela área, por mais de uma vez, já havia sido alvo de enchentes e inundações, inclusive com vítimas fatais.
Muitas vidas teriam sido poupadas se os governos (municipais, Estadual e Federal) numa ação conjunta e preventiva, tivessem investido melhor na infraestrutura urbana dos municípios afetados, atentando-se, entre outras coisas, para o monitoramento dos rios, dos solos e encostas; ou, quando nada, frente à possibilidade iminente de enchentes, houvessem adotado uma política de desocupação das zonas com maiores riscos de desabamento.
Ocorre que o problema é muito maior. Os municípios fluminenses ora atingidos pelas águas de verão, padecem de um mal que é comum à maior parte dos municípios brasileiros: a falta de planejamento urbano. Atiçadas pelo aumento populacional ou, em muitos dos casos, pela especulação imobiliária, as cidades avançam de forma desordenada, comprometendo o meio ambiente e, o que é mais grave, pondo em risco a vida das pessoas. Na Região Serrana as casas foram construídas em encostas, topos de morros, margens de rios, várzeas e, até mesmo, pasmem, em APAs -Áreas de Proteção Ambiental. Somem-se a isso outros problemas, igualmente graves, como a falta de pavimentação, saneamento básico, esgotamento sanitário, canais de escoamento, etc.
Grande parte dos municípios brasileiros tem negligenciado nessa questão, mas a solução para isso já foi apontada pela Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, a qual “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Os planos diretores, previstos no artigo 41 deste marco legal, são as ferramentas de que as cidades, com população acima de vinte mil habitantes, poderão se servir para formular suas políticas de ocupação urbana, tendo em vista a construção de espaços mais saudáveis, onde se possa viver com segurança e dignidade.
José Gonçalves do Nascimento
Senhor do Bonfim - Bahia