sexta-feira, 30 de julho de 2010

MONTE SANTO E A GUERRA DE CANUDOS

São muitas as informações sobre a presença de Antônio Conselheiro em Monte Santo. Em 1888, o coronel Durval Vieira de Aguiar, no seu livro Descrições Práticas da Província da Bahia, informava ter visto o beato em terras de Monte Santo, mais precisamente no povoado do cumbe, atual Euclides da Cunha. Anos mais tarde (1892), o Conselheiro se encontrava de novo em Monte Santo, desta feita na sede da vila, onde juntamente com seu séquito realizou alguns reparos no caminho da Santa Cruz. É o que informa o correspondente do jornal Diário de Notícias da Bahia, edição de 7 de junho de 1893: “Fui testemunha ocular de que quando aqui esteve o ano passado, enviou meios de fazer-se alguns reparos nas capelinhas e na estrada do Monte, daqui, a fim de não continuar na decadência em que se achava a instituição da irmandade dos Santos Passos do Senhor do Calvário, pedindo e aplicando o resultado das esmolas que recebeu para esse fim”. No período da guerra, a partir da 2ª expedição, a cidade serviu de base de operação das tropas legais, em demanda de Canudos. Ali se instalou o quartel general do ministro da guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt o qual comandou o serviço de intendência e cuja presença no palco das operações foi determinante para a vitória das forças do Exército. Para facilitar a comunicação dos expedicionários com os grandes centros urbanos do país, principalmente com a Capital da República, a cidade foi dotada de serviço telegráfico.

José Gonçalves do Nascimento
Senhor do Bonfim - Bahia

MASSETÉ E A GUERRA DE CANUDOS



Masseté, pequena localidade do município de Quijingue, ocupa lugar privilegiado no âmbito da geografia da guerra de Canudos. Foi ali que em maio de 1893 se deu o primeiro confronto entre forças legais e os seguidores de Antonio Conselheiro. A partir desse episódio o pregador se deu conta da necessidade de se sedentarizar, pondo fim a quase duas décadas de peregrinação. É por isso que Masseté é apontado como divisor de águas, como ponto de chegada e de partida da experiência mística de Antônio Conselheiro. Neste sentido, a trajetória do fundador de Canudos se partiria em dois momentos: o momento anterior a Masseté, em que tiveram lugar as peregrinações e, ao lado delas, as construções de igrejas, cemitérios, aguadas, etc., e o momento posterior a Masseté em que se deu a fixação do grupo conselheirista, resultando na povoação do arraial de Canudos.


José Gonçalves do Nascimento
Senhor do Bonfim - Bahia

segunda-feira, 19 de julho de 2010

100 ANOS DA COMUNIDADE DO CAZUMBA (PARTE 1)

NO COMEÇO

Tudo começou com um casal de viúvos. Carlos Cardoso de Barros e Thereza Maria de Jesus chegaram à fazenda Urubu, em terras da então Villa Nova da Rainha, e ali fixaram moradia. Algum tempo depois os dois se casaram e tiveram filhos. Eles vieram de Porteiras, região do Cariri, próximo a Juazeiro do Norte, no Ceará. Saíram de lá, provavelmente, tangidos pela terrível seca que assolou aquele estado no período de 1877 a 1879.

A SECA DE 1877-79


Tida como a pior estiagem da história do Nordeste, a seca de 77-79, dizimou quase metade da população cearense. Dos 800 mil habitantes existentes na época, 300 mil morreram de fome e sede, ou emigraram para outros estados do Brasil, inclusive a Bahia. Contrariando a política oficial, que garantia a cada brasileiro o direito de receber socorro em situação de calamidade, o Império atuou em duas frentes distintas: uma foi a utilização dos flagelados em obras públicas e particulares, e a outra, a dispersão desses mesmos flagelados, enxotando-os para outras regiões do Brasil.

A PRESENÇA DOS CEARENSES EM SENHOR DO BONFIM

Entre as levas de cearenses transmigrados para a Bahia e aportados em Villa Nova da Rainha, estão os irmãos Vilanova (Antônio e Honório Francisco Assunção), personagens célebres da história de Canudos e Antonio Conselhiro. Estabelecidos na comunidade canudense, após algum tempo residindo na então futura Terra do Bom Começo, os irmãos Vilanova se tornariam detentores do maior estabelecimento comercial do arraial de Canudos. Isso lhes conferiu prestígio e os fez participar do grupo das pessoas mais influentes do séquito conselheirista. Antes de findar a guerra e com o consentimento de Antônio Conselheiro, os dois voltariam para o Ceará, levando família e fortuna.

OS PIONEIROS


José Carlos Cardoso, carpinteiro de ofício, filho de Carlos Cardoso de Barros e Thereza Maria de Jesus, casou-se em 1910, com Maria Virgínia de Jesus, natural da Missão do Sahy, indo morar na fazenda Serraria e tornando-se desta o pioneiro. O nome, segundo a gente do lugar estaria relacionado à profissão do seu primeiro morador. Com o passar do tempo a antiga fazenda Serraria desdobrou-se em três: Serraria do Carlos, Serraria do Bento da Passagem Velha e Serraria de Joaquim Timóteo. Anos mais tarde as três voltariam a se fundir, resultando no que é hoje a comunidade do Cazumba.

O nome Cazumba, de fato, surgiu muito tempo depois. Para dona Rosa Maria Carlos, de 90 anos, filha dos primeiros desbravadores do lugar, o topônimo se deveu ao fato das pessoas associarem a fazenda Serraria a uma outra fazenda, mais adiante, denominada Cazumba, hoje batizada por Sanharó. Já para Nelson Neves, de 70 anos, sobrinho do carpinteiro, o nome Cazumba tem a ver com uma carcaça de animal, provavelmente de gado vacum, que ficava na beira da estrada, próximo à fazenda Serraria.

O SIGNIFICADO DA PALAVRA CAZUMBA...

Para o antropólogo Raul Geovanni da Mota Lody, responsável por vários estudos na área das religiões afro-brasileiras, o termo cazumba ou cazumbá descende do grupo etimológico Cazumbi, Zumbi, Nzumbi, originário do Kibundo Nzumbi, macrogrupo etnolingüístico Bantu. Trata-se de uma entidade espiritual “que se supõe estar pelo mundo participando com os vivos”. Algo como um espírito animal, “remetendo aos rituais dos caçadores na floresta”. Ou “uma fusão dos espíritos dos homens e dos animais”. “É ser eminentemente fantástico, misterioso...”. (LODY, Raul. Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-brasileiras, Pallas Editora, Rio de Janeiro, 2003, p. 228).

Cazumba seria uma figura entre homem e animal, sem ser nem um, nem outro. Ou entre macho e fêmea, sem assumir nenhuma das duas condições. O sentido da palavra estaria relacionado também a duende ou fantasma que, segundo a crença popular afro-brasileira vagueia pela noite, fazendo encantamento e aprontando travessuras.

O estudioso Nei Braz Lopes, autor de trabalhos voltados para as questões da África, indica ser o “cazumba uma máscara de procedência africana encontrada em alguns autos populares” do Brasil. (LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, Selo Negro, São Paulo, 2004, p. 180).

Com efeito, é no bumba-meu-boi do Maranhão que vamos encontrar essa figura extraordinária. A pesquisadora Juliana Bittencourt Manhães, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que acompanhou de perto esse ritual, tendo, inclusive, convivido com pessoas que dele fazem parte, nos traz informações valiosíssimas quanto à presença do cazumba naquele segmento da cultura popular maranhense. “O cazumba – diz ela - é um personagem dos bois da região da baixada, território com campos baixos, que alagam na estação das chuvas (...). São bois com um ritmo cadenciado, a presença do badalo, pandeirões menores ou caixas, enormes chapéus bordados com penas de ema e a presença do cazumba. É uma figura mascarada, sua indumentária é chamada de bata ou farda, um vestidão cheio de bordados e coloridos com um cofo de palha usado na cintura, trazendo uma figura grotesca, com uma bunda enorme que balança. Na mão segura um badalo, tipo sino de boi, avisando que o bando de cazumbas está chegando”.(http://www.portalabrace.org/vcongresso/texto/estudosperformance >Acesso em: 04-08-2010).

... E COMO ISSO CHEGOU ATÉ AQUI?


O que teria a ver o nosso Cazumba com o personagem afro-brasileiro dos folguedos do Maranhão? Haveria alguma aproximação entre o boi do folclore maranhense e o boi da carcaça que batizou a belíssima comunidade do interior bonfinense? De que maneira teria se dado uma tal aproximação? Talvez, uma das respostas a este questionamento esteja no fato da então fazenda Serraria ser cortada por estrada tropeira, por onde transitavam pessoas de grande parte do Nordeste. De qualquer forma a questão continua em aberto, a espera de estudo mais aprofundado.

José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim (ACLASB).
e-mail: jgoncalvesnascimento@hotmail.com