domingo, 28 de junho de 2009
LAMENTO DA SECA
A FLOR QUE TOMBOU
A Margarida Maria Alves
In memorian
O vento perverso
uma flor fez tombar
acabou-se o belo,
mas o vento assassino
nunca mais há de voltar.
O belo se foi
não está mais aqui.
A flor vai murchar
e depois vai secar
e se transformar em pó...
no tempo e no espaço
deixará de existir.
O belo se foi
não está mais aqui.
Mas a roseira ficou
e outras rosas vão vir
e com maior solidez
haverão de resistir...
E aí outros ventos
ainda que impetuosos
não poderão destruí-las.
O belo se foi
Não está mais aqui.
A rosa caiu
tombada pelo vento,
arrastada se foi...
desapareceu para nunca mais.
Mas outras rosas ficaram
E o jardim permanecerá bonito.
O belo se foi
Não está mais aqui.
José Gonçalves do Nascimento
POETA DE GUERRA
Poeta de guerra
Tua lira é espada
Espada afiada
Contra a ira do mundo.
Tua lira é a ira
Que corta o pudor
Faz a magia
Supera o ridículo
Abre a porta da vida
E faz sorrir a flor.
Combate os dragões
Ceifando a ruína
Juntando as estrelas
Pro festim fraternal
No dia afinal
Do triunfo completo.
José Gonçalves do Nascimento
NOS ESCOMBROS DA HISTÓRIA
Nos escombros da história
Os heróis soterrados
Injetam nas veias do tempo
O sangue novo do Reino.
Nos escombros da história
A agonia dos esmagados
Se converte em deleite
No ágape da nova era.
Nos escombros da história
Esqueletos jazem ilesos
Garantindo a plataforma
Da nova humanidade.
Nos escombros da história
Um escrito se resgata
E um menino meio tímido
O lê pausadamente: “Nova sociedade”.
José Gonçalves do Nascimento
O SERTANEJO
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”
(Euclides da Cunha)
Ó rincão que de fortes está cheio
Bravas fêmeas, bravos machos aí estão
Resistentes são, tanto quanto o meio
Seus pés firmes não desprendem desse chão.
Batizados pelo fogo e o carvão
Ungidos pelo suor da agonia
Guiados pela chama que alumia
Sua palavra tem um eco de oração.
Na areia quente, o requinte da bravura
Na tempestade a prova do talento
Seu sorriso é um raio de candura.
A cada expressão, um gesto de alento
Que supera as doses de amargura
E suprime a fúria do tormento.
José Gonçalves do Nascimento
PICO ARAÇÁ
Quais pomos de virgem em puberdade
Na ereção do seu desabrochar
Teus pináculos cobertos de santidade
Me elevam, me fazem enamorar.
Na tua postura, um aspecto singular
Testemunha de um marco consistente
Na história do sertão sempre presente
Teu nome o mundo inteiro faz guardar.
Pico Araçá, remontemos à história
O frade de Todi fez-te Monte Santo
Porque tua grandeza mereceu a glória.
A cruz plantada sobre tal encanto
Tornou, portanto, imortal tua memória
És majestoso, por isto, a ti eu canto.
José Gonçalves do Nascimento
MARIA RITA
Da prole dos guerreiros de Bel’ Monte
Uma donzela que o sertão encantou
Logo cedo, abraçada com o horizonte
Foi tomada pela chama do amor.
“Virgem da caatinga”, assim se chamou
Ante os covardes, provou valentia
No embate constante co’a artilharia
Nem o crivo da bala, a ela maculou.
Cabelos caídos, atados por fita
Vestida de couro e rara destreza
Queimada de sol, guerreira bendita.
Da “santa cidade” tomou a defesa
A ira do poder matou Maria Rita
A ela louvemos... (marco de “braveza”).
José Gonçalves do Nascimento
ANTONIO CONSELHEIRO
Qual asceta, ó missionário matuto
Túnica azul alpercata e bordão
Homem místico, não te fizeste bruto
Aos clamores e angústias do sertão.
Tua palavra e teu sermão campesino
São a chave que abre perfeitamente
As portas do mistério nordestino
Urna infernal de castigo inclemente.
Aquele evangelho que tu disseste
Cujo eco, tão profundo bradou ao céu
De igual forma tá na obra que fizeste.
Do Ceará é que vieste ó Maciel
E doando-te por amor ao nordeste
Tombaste pela mão do coronel.
José Gonçalves do Nascimento
sábado, 27 de junho de 2009
DEPOIS DO DOMINGO
Depois do domingo, a segunda
e com a segunda
a ressaca,
o vazio,
o bolso furado,
a santa preguiça.
Depois do domingo, a segunda
e com a segunda
o batente,
o branco,
a mesma chatice,
as mesmas caras,
as mesmas palavras,
os mesmos problemas,
as mesmas soluções.
Depois do domingo, a segunda
E com a segunda
o compromisso,
os papéis,
o horário,
o patrão,
o rumor das máquinas,
o corre-corre.
Depois do domingo, a segunda
e com a segunda
o recomeço,
o refazer,
o refazer-se,
a nova chance.
Depois do domingo, a segunda
e com a segunda
a expectativa
de mais um domingo.
José Gonçalves do Nascimento
PELOURINHO
Bahia de todos os santos,
Pelourinho de todos os homens
e de todos os deuses.
Palco de magia,
coração de Salvador.
Ladeira de dor,
odor de sangue negro,
rastro de escravidão.
Em cada pedra,
fragmentos de história;
em cada fachada,
o sorriso mal engendrado
de uma época
em que o lúdico e a agonia
se completavam;
em cada beco,
o caminho de um passado inglório;
em cada templo,
o olhar amargo do deus colonial.
...
Quão és cruel ó Pelourinho!
Ao teu pé vi gemer meus ancestrais.
O grito de outrora
ainda ecoa.
Ecoa na lira de Castro Alves,
na melodia de Caymi,
na prosa de Amado,
no batuque do Olodum,
na marcha dos Filhos de Gandhi
no canto de Daniela...
Tu ainda não és livre, ó Pelourinho;
ao teu pé ainda ouço gemidos.
Porventura ainda não esquecestes o passado?
Quando tu, Pelourinho, deixarás de ser cruel?
José Gonçalves do Nascimento
À TUA ESPERA
Descortinei o horizonte
Sequioso para te ver.
E ao te encontrar
lancei-me aos teus braços
sedento do teu calor.
Parecias tão distante
e, no entanto, estavas tão perto.
Certamente me esperavas,
porque quem ama
chega primeiro e espera o outro.
O amor não engana jamais;
ele pode até tardar,
mas um dia aparece
... aparece quando menos se espera.
Para além da linha do horizonte
é possível que sempre tenha
alguém a nos esperar.
José Gonçalves do Nascimento
O AMOR CONSTRÓI
MINHA TERRA
Minha terra tem homens que edificam
Edificam, mas não podem habitar
Tem homens que plantam e colhem
Plantam e colhem, mas não podem desfrutar.
Minha terra tem homens que não trabalham
Não trabalham, mas ganham muito bem
Minha terra tem homens que não descansam
Não descansam, porém nada têm.
Minha terra tem riqueza e tem fartura
Que se fossem divididas com igualdade
Não haveria semelhante penúria.
Minha terra tem sede de justiça
E clama pela solidariedade
Em lugar do egoísmo e da cobiça.
José Gonçalves do Nascimento
BUSCA
A Rozeli, com admiração sincera.
A vida é uma constante busca
de sentido e satisfação.
É um projetar-se contínuo
na direção de horizontes diversos
(muitos dos quais, às vezes inatingíveis)
É essa inquietação vital
que acompanha o coração
e mantém aceso o calor utópico
na alma daqueles que costumam
olhar sempre adiante
e contemplar no além
a extraordinária certeza do novo amanhã.
A vida não dorme nunca
desde que não se perca
o hábito de sonhar.
José Gonçalves do Nascimento
CANTO A BEIRA MAR
Na areia do tempo
escrevo a minha história
e cunho o meu destino.
Quem dera sonhar
um sonho de menino!
quem dera chorar
como chorei pequenino!
Na areia do tempo
deixo a marca dos meus pés;
deixo acesa uma chama
porque a vida
nunca morre.
Na areia do tempo
planto a semente nova
que a esperança reclama;
planto o germe do amanhã,
planto o raio do sol
que nunca se apagará.
Na areia do tempo
imprimo o meu ideal,
derramo a minha lágrima,
e rabisco o meu nome.
Na areia do tempo
eu injeto o meu sangue
e estampo o meu epitáfio...
José Gonçalves do Nascimento
SEU RETRATO
Na parede do tempo
projetei seu retrato
e fui-me embora.
Tudo pareceu
ter ficado para trás,
ofuscado pela noite.
No entanto,
o dia se apressou
e mandou embora a noite.
... e eu retornei,
... e o tempo prossegue,
... e seu retrato ficou.
Ei-lo aqui!
o que farei?
Choro a dor
que havia passado;
bebo o cálice
que já me embriagou;
mesmo assim,
vale a pena
reabraçar o ontem...
... sem, contudo, ferir o amanhã.
José Gonçalves do Nascimento
LAMENTO DE UM DROGADO
Ignorando a mim mesmo
e a todos que me cercam,
paro em meio ao caminho
atropelado pelo próprio destino.
E ali sucumbo
vítima desse verme que me corrói,
desse lixo que me cobre,
dessa lama em que me afundo...
... e lá vou eu, tragado por esse dragão cruel
e aterrorizado pelo monstro da desgraça.
Quem devolverá minha infância?
Quem restituirá minha juventude?
Quem trará de volta minha vitalidade?
Quem me ajudará a recuperar o futuro?
Quem será o primeiro a me dizer:
“Levanta-te e anda”!?
...
Certo que caí...
e poderia até não ter caído,
mas só não cai, quem não tropeça.
E quem poderá dizer que nunca tropeçou?
Por favor, me estenda a tua mão!
Não te recuses de ser meu farol,
meu porto seguro;
aquele que me fará pisar de novo
a terra firme da vida.
Venha e juntos plantaremos flores
onde antes só encontrei espinhos...
Venha, eu sou o Cristo Crucificado.
... que ressuscitará.
José Gonçalves do Nascimento