sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O TERREMOTO E A SOLIDARIEDADE GLOBAL



“Pense no Haiti, reze pelo Haiti,
o Haiti é aqui”.

(Caetano Veloso)


O mundo todo assiste consternado aos horrores provocados pelos tremores de terra ocorridos no Haiti. Gritos de dor a se levantarem dos escombros; corpos putrefatos a se esparramarem por todos os lados; montões de entulhos onde antes eram prédios habitados; levas e mais levas de pessoas desoladas, a perambularem pelas ruas, famintas e sedentas. Estima-se que 80% das construções de Porto Príncipe foram destruídas ou se encontram seriamente danificadas. O número de mortos pode chegar aos 200 mil e o de desabrigados aos três milhões. Entre as vítimas brasileiras, a maioria militares, está a coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Dra. Zilda Arns, que se encontrava no país a serviço da entidade. Essa é a situação em que se apresenta a capital haitiana, conforme noticiário da imprensa do mundo inteiro.

Diante do quadro, uma pergunta se faz inevitável: por que logo o Haiti? Um país que estava tentando se refazer depois de tantos anos de sofrimento! Situado na região do Caribe, entre Cuba e a República Dominicana, e contando com uma população de cerca de 8 milhões de habitantes, o Haiti é, seguramente, o país mais pobre do continente americano. Depois de longo período de instabilidade política e econômica, marcado por ditaduras e conflitos internos, o país caribenho começava a vislumbrar uma certa tranquilidade. Em 2004, por iniciativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas e sob o comando do Exército Brasileiro, se estabeleceu ali uma missão de paz, com o objetivo de garantir a ordem interna e ajudar na reconstrução do país. Só a fatalidade, ela que tem a sua lógica própria, poderá explicar o ocorrido!

Há, todavia, um aspecto positivo que se vislumbra em meio a tudo isso. É a solidariedade internacional. Em poucas vezes, na história, se viu tanta gente envolvida ao redor de uma causa humanitária. Países do mundo inteiro estão mobilizados em torno do acontecimento; equipes de socorro são enviadas a todo instante; milhões de toneladas de mantimento são despachados a cada dia; somas relevantes de recursos já começam a ser carreadas em função daquela gente e um fundo internacional está sendo criado com o objetivo de reconstruir o país devastado. Até velhos desafetos começam a fazer concessões, como é o caso de Cuba que liberou seu espaço aéreo para que os Estados Unidos possam trafegar livremente, levando ajuda ao povo haitiano. Trata-se de algo realmente estupendo! Seria esse o lado bom da globalização? Talvez sim!

Na verdade, o que se verifica nesse gesto é a capacidade do ser humano de se sensibilizar com as situações adversas do seu semelhante, independentemente de onde este se encontre. Nota-se aí a tendência natural do ser humano, que é a de fazer o bem. O homem é naturalmente bom. Se em algum momento ele se mostrou diferente foi por conta das fragilidades, próprias da sua condição de ser contingente. A tragédia do Haiti, se por um lado ela é cruel, por outro lado ela dá oportunidade para que os seres humanos mostrem que ainda são capazes de amar e serem solidários. Nem tudo está perdido! Talvez tenha sido esse o pensamento de Dom Paulo Evaristo Arns, quando ao final da nota sobre o falecimento da sua irmã Zilda, vítima do trágico episódio, disse que “não é hora de perder a esperança”. Quantos ensinamentos!



José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Ciências, Letras e Artes de Senhor do Bonfim - ACLASB)

SER CRIANÇA

“Toda criança é um rei”
(R. Ribeiro)

Somos filhos do hoje
e trazemos nos olhos
o broto do novo dia.
Somos o sangue novo,
do novo homem que virá.

Somente nós compreendemos
o sentido do mundo
que Deus sonha para os homens.

Em nossas mãos está a luz
que iluminará o destino do mundo;
em nossa cabeça
está a idéia que mais convence;
em nosso coração
está o amor que mais ama;
em nossos pés
está a coragem que mais vence;
em nossos olhos
está a esperança que mais espera.

Somos a ousadia, questionamos;
somos o otimismo, confiamos;
somos rei, reinamos;
somos Deus, criamos;
somos criança, rimos.

José Gonçalves

ESTRELA ÚNICA

Donde vem esta estrela
Que reluz ante os meus olhos?
E que magia é esta
Que me inebria o coração?
Que força é esta
Que me arrebata e me seduz?
Quem és tu, afinal?
Tua resposta
está no teu silêncio
e se traduz
na meiguice
do teu olhar;
na beleza
do teu coração;
na simplicidade
do teu espírito;
na pureza
dos teus sonhos;
no teu jeito próprio de amar.
Um dia, ao vislumbrar
a tua face
percebi o quanto
é grande a tua alma –
esta coisa que cativa
e te faz especial.
Estar contigo
é experimentar
a grandeza do teu ser,
a doçura do teu sorriso discreto,
o sabor do abraço...
O teu nome
Traduz o que tu és: ÚNICA.
Única,
como único
é o meu amor
por você.

José Gonçalves

A LUA

Cai o dia,
Levanta a noite!
No passo do silêncio noturno,
ela chega e me diz em cochicho:
“Ficaremos juntos a noite inteirinha”.
Então as trevas se desfazem,
os horizontes se abrem,
e nós nos afagamos,
mortos de paixão.

O cantar de um pássaro perdido,
a brisa que açoita levemente,
a folha seca que cai,
o vaga-lume que pisca além...
É nesse cenário fantástico
que nós fervemos de amor
vendo a noite passar.


José Gonçalves

PINGO DE LÁGRIMAS

Pingo de lágrima,
eco do coração
fagulha da alma,
pedaço de dor,
reflexo da emoção.


José Gonçalves

NO DIA EM QUE EU MORRER

“Quando eu morrer não me chores,
deixo a vida sem sodade”

(Mário de Andrade)


No dia em que eu morrer,
o espaço terá um corpo a menos.
No meu lugar, porém, gostaria
que plantassem uma árvore
de raiz flor e fruto.
Só assim honrarei
a minha passagem por aqui.

No dia em que eu morrer
prefiro que ninguém saiba.
Não quero choro,
Nem noticiário.
Quero, apenas, que no meu lugar
plantem uma árvore
de raiz, flor e fruto.

Pouco me importa
quando isto vai acontecer!
Lá para onde irei,
o tempo é o menos importante.
Já aqui, quanto menor for o tempo,
tanto maior será o espaço.

Resistir é preciso,
mas como por obstáculo à onda,
se a onda faz parte da dinâmica do mar!?


José Gonçalves do Nascimento

SENHORA UNIVERSAL

Maria menina,
Virgem senhora.
Senhora aqui e em Nazaré,
Senhora em seu tempo e em nosso tempo.
Senhora do seu povo
e de todos os povos.
Senhora dos cristãos e dos sem religião.
Senhora do ontem e do hoje,
Senhora do céu e da terra.

Pobre moça de Nazaré!
Gente do povo e sem prestígio,
Entretanto a escolhida
Pra ser mãe do povo redento.

Ó, Senhora nossa ,
Sei que não estás longe!

Vejo-te na caminhada da Igreja,
Lutando com os que lutam no dia-a-dia,
Na tentativa e erguer o Reino
Do qual foste a primeira colaboradora.

Vejo-te nas Marias daqui e d’agora!
Na lavadeira,
Na gari,
Na agricultora,
Na menina sem escola
E sem pão.

Vejo-te na mãe solteira
E também naquelas que vendem o corpo
Como meio de sobrevivência.

Vejo-te em todas as Marias,
Sejam elas sonhadoras ou não.

És mãe de muitos filhos,
Senhora de muitos rostos,
E de tantas denominações.
Senhora negra de Aparecida,
Senhora índia de Guadalupe...
Senhora da África e da Ásia,
Senhora da Europa e das Américas,
Senhora da Oceania e do mundo inteiro.

Senhora, que o tu canto
Seja cantando por todas as bocas!
Que cada homem e cada mulher
Possam aprender de ti a lição do amor.


José Gonçalves

(IN)INSPIRAÇÃO

Poeta cadê a poesia?
(Ó musa tão vagabunda!)
És rio, mas sempre em “estia”
És fêmea, porém não fecundas.

Terra que verde não tem
Roxinol que o cantar perdeu
Olho aberto que não ver ninguém
Aquele feto que não nasceu.

És ouvido, mas não podes escutar
Narinas, porém sem olfato
Comes sem ter paladar
És corpo, mas não tens tato.

És sangue sem a espécie vermelha
És cor, mas sem identidade
És chama, porém sem centelha
Mexes em tudo, mas sem habilidade.

Poeta cadê a poesia?
Musa ingrata deixe que ele cresça!
Não permita que a melancolia
Domine e o vate pereça.


José Gonçalves

MEU AMOR

Quando te vi fui logo te conhecer
E ao te conhecer fiquei fascinado
Tu me cativaste e eu não recuei
Então decidi ficar do teu lado.

Teu grande amor abarcou o meu ser
E eu findei parando em teus braços
De forma, que sem ti não viverei
Contigo não temerei quaisquer fracassos

Lado a lado, estamos sempre juntinhos
És tu que apontas o meu destino
E não me deixas caminhar sozinho.

Serás sempre minha doce companhia
Meu bom Deus, meu amor divino
Minha salvação e minha alegria.

José Gonçalves

UMA LOUCURA CHAMADA ESPÉCIE HUMANA

Olho por olho,
Dente por dente,
Guerra por guerra,
Morte por morte,
Sangue por sangue,
Treva por treva,
Vaidade por vaidade,
Vingança por vingança,
Silêncio por silêncio,
Omissão por omissão,
Insulto por insulto,
Paixão por paixão,
Ódio por ódio,
Tudo por tudo,
Nada por nada...
E no final das contas,
Qual a soma de tudo isto?
Nada, em absoluto!
Só loucura,
Engano,
Vazio,
Ocaso...
Nem as cinzas sobrarão.
Somente a trágica memória
A indicar o quão maléfica
Pode ter sido esta espécie
Que se convencionou
Chamar de civilizada.

José Gonçalves

TEMPERO DE DOR

As linhas que traço,
com mão em embaraço
São linhas marcadas
e um tanto frustradas.
Têm traços de dor,
Contém dissabor.
Desejo de ir,
Quem tá pra cair.
A fome no pé,
Um passo sem fé.
Caminho lamento,
De tanto tormento.
Na margem da vida,
Vida ferida.
Braços ao léu,
Carne de réu.
Olhos penosos,
E mui vergonhosos.
Passo calado,
Mundo inacabado.
Inóspito berço,
Melhor não mereço.
Sangue marcado
Por traços antigos,
E casos ambíguos.
Tantos legados,
Direitos negados.
Fome no peito,
Angústia no eito.
Cabeça perdida,
Ideia desnutrida.
Entranhas entaladas,
Vidas roubadas.
Frágil pudor,
Tempero de dor.
Resíduo de povo,
Jamais o renovo.
Resto humano,
Ser leviano.
Sinônimo de nada,
Roseira orvalhada.
Quando será!?

José Gonçalves

SER JOVEM

Que adianta ser jovem
e não sonhar!?
Que vale ter o novo na cara
e não questionar a cara velha
das estruturas vigentes!?
Que adianta ser jovem
e não saber que é
e porque é!?
Que vale ser jovem
e viver domado por velhos modelos!?

Não seria próprio do jovem
tomar o carro da história
e perseguir horizontes novos!?
Cantar o canto que é seu
e arrebentar as fronteiras do presente!?

Ao jovem cabe o exercício
do sim e do não;
cabe a ternura na alma
e o talento na mão;
a cabeça no novo
e o pé no caminho.
Ao jovem cabe amar.


José Gonçalves

EDUCAR E EDUCAR-SE

“Ninguém educa ninguém
os homens se educam em comunidade”

(Paulo Freire)

Educar e educar-se:
dois caminhos que se encontram.
Quem educa, educa-se
e ao educar-se torna-se sujeito
da sua própria educação.
Educar é externar,
tirar fora o saber;
é acordar a alma,
é construir o conhecimento.
Educar e educar-se
é mais do que dar e receber
um determinado conceito.
Educar e educar-se
é, acima de tudo,
abrir-se ao novo,
defrontar-se com a realidade
e saber interpretá-la.
É capacitar-se para a vida
e para o exercício da cidadania.
É aprender a enxergar-se
como sujeito da história.
Educar e educar-se:
dois caminhos que se encontram
e quando se encontram
nos levam à maior
de todas as revoluções:
a revolução do conhecimento.
Oxalá esses dois caminhos
nunca se distanciem.


José Gonçalves

SEMPRE MÃE

“Do berço do túmulo, uma palavra
o homem jamais esquece – mãe”
(Beal)

Cândida mulher que tanto me sonhou
Menina ainda, mesmo antes da puberdade
Olhar tímido de quem nunca namorou
Mas presente já a sua maternidade.


Sempre mãe, desde a sua mocidade
Raio de luz, sinônimo de amor
Deleito-me na sua afabilidade
Desde quando em conceber-me pensou.


Sua entranha foi minha tenda primitiva
Aí fixei a razão do meu existir
Nela minha marca mantém-se viva


Sua carne, minha carne fez fluir
Sou rebento dessa dor afetiva
Um filho dos que mãe sonhou parir.

José Gonçalves

O HOMEM:GIGANTE

O homem é gigante
mas não sabe que é.
E por isto
sucumbe,
e cala,
sem fala,
e rala,
e dispara
em qualquer direção.
E com sorte,
ou sem sorte,
com norte,
ou sem norte,
na morte,
ou sem morte
vai em sentido oposto
sem gosto,
sem posto,
até perecer,
sem nunca crescer,
porque ele
não quer,
e com fé,
ou sem fé
isola-se no nada
ignorando que pode,
o que pode,
e o que é: gigante!

José Gonçalves

NU NO PALCO

Quando eu acordei
estava nu no palco - no palco da vida.
encenava um espetáculo detestável!
Ao meu lado, ninguém!
Ali só estava eu,
rindo sozinho!
Isto mesmo:
Rindo sozinho da minha própria cara.
E o público?
Não havia público!
Tudo vazio!
Eu estava sozinho,
rindo sozinho no palco da vida.
Eu morria de medo!
Sozinho, eu morria de medono palco da vida.
Ninguém ao meu lado,
e nem havia público.


José Gonçalves do Nascimento