“Pense no Haiti, reze pelo Haiti,
o Haiti é aqui”.
(Caetano Veloso)
O mundo todo assiste consternado aos horrores provocados pelos tremores de terra ocorridos no Haiti. Gritos de dor a se levantarem dos escombros; corpos putrefatos a se esparramarem por todos os lados; montões de entulhos onde antes eram prédios habitados; levas e mais levas de pessoas desoladas, a perambularem pelas ruas, famintas e sedentas. Estima-se que 80% das construções de Porto Príncipe foram destruídas ou se encontram seriamente danificadas. O número de mortos pode chegar aos 200 mil e o de desabrigados aos três milhões. Entre as vítimas brasileiras, a maioria militares, está a coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Dra. Zilda Arns, que se encontrava no país a serviço da entidade. Essa é a situação em que se apresenta a capital haitiana, conforme noticiário da imprensa do mundo inteiro.
Diante do quadro, uma pergunta se faz inevitável: por que logo o Haiti? Um país que estava tentando se refazer depois de tantos anos de sofrimento! Situado na região do Caribe, entre Cuba e a República Dominicana, e contando com uma população de cerca de 8 milhões de habitantes, o Haiti é, seguramente, o país mais pobre do continente americano. Depois de longo período de instabilidade política e econômica, marcado por ditaduras e conflitos internos, o país caribenho começava a vislumbrar uma certa tranquilidade. Em 2004, por iniciativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas e sob o comando do Exército Brasileiro, se estabeleceu ali uma missão de paz, com o objetivo de garantir a ordem interna e ajudar na reconstrução do país. Só a fatalidade, ela que tem a sua lógica própria, poderá explicar o ocorrido!
Há, todavia, um aspecto positivo que se vislumbra em meio a tudo isso. É a solidariedade internacional. Em poucas vezes, na história, se viu tanta gente envolvida ao redor de uma causa humanitária. Países do mundo inteiro estão mobilizados em torno do acontecimento; equipes de socorro são enviadas a todo instante; milhões de toneladas de mantimento são despachados a cada dia; somas relevantes de recursos já começam a ser carreadas em função daquela gente e um fundo internacional está sendo criado com o objetivo de reconstruir o país devastado. Até velhos desafetos começam a fazer concessões, como é o caso de Cuba que liberou seu espaço aéreo para que os Estados Unidos possam trafegar livremente, levando ajuda ao povo haitiano. Trata-se de algo realmente estupendo! Seria esse o lado bom da globalização? Talvez sim!
Na verdade, o que se verifica nesse gesto é a capacidade do ser humano de se sensibilizar com as situações adversas do seu semelhante, independentemente de onde este se encontre. Nota-se aí a tendência natural do ser humano, que é a de fazer o bem. O homem é naturalmente bom. Se em algum momento ele se mostrou diferente foi por conta das fragilidades, próprias da sua condição de ser contingente. A tragédia do Haiti, se por um lado ela é cruel, por outro lado ela dá oportunidade para que os seres humanos mostrem que ainda são capazes de amar e serem solidários. Nem tudo está perdido! Talvez tenha sido esse o pensamento de Dom Paulo Evaristo Arns, quando ao final da nota sobre o falecimento da sua irmã Zilda, vítima do trágico episódio, disse que “não é hora de perder a esperança”. Quantos ensinamentos!
José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Ciências, Letras e Artes de Senhor do Bonfim - ACLASB)