segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

DISCURSO DO PRESIDENTE DA ACLASB POR OCASIÃO DA SESSÃO SOLENE EM COMEMORAÇÃO AO DIA DA CULTURA BONFINENSE - DEZEMBRO DE 2010



Senhores e senhoras,

A todos vocês as nossas boas vindas e a nossa acolhida calorosa. Obrigado imensamente por suas honrosas presenças!

É com redobrada satisfação que a Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim (ACLASB) se reúne mais uma vez para comemorar a semana da cultura bonfinense, cujo ápice é o dia 5 de dezembro, data em que se evoca a passagem por esta terra do então senador baiano Rui Barbosa, expressão suprema da inteligência brasileira.

Como parte desta solenidade, teremos, dentro em pouco, o ingresso na Academia de quatro intelectuais bonfinenses. São eles: o fotógrafo e cineasta Nivaldo Oliveira Souza; o poeta Edivan Ferreira Cajuy, o colunista Jacson Roberto Santana, e o poeta e compositor José Antônio Ferreira da Silva (Durá), este natural da comunidade centenária do Cazumba I e representante legítimo da agricultura familiar.

Nossos cumprimentos cordiais aos neo-acadêmicos, com a certeza de que os seus nomes haverão de engrandecer e dignificar esta Casa de Cultura.

***

Reza a sabedoria oriental que, do mesmo modo como a função do arco é impulsionar a flecha em direção ao alvo, o papel da cultura é conduzir o ser humano rumo à felicidade, à auto-estima, à realização. Desta forma, quanto mais intensa for a nossa interação com o universo cultural, maiores serão os resultados em termos de bem-estar e qualidade de vida. Deste aviso é também o poeta e crítico anglo-americano Thomas Stearns Eliot, quando afirma que a cultura “é aquilo que torna a vida digna de ser vivida”.

Do verbo latino Colere cultura significa, originalmente, cultivo, cuidado. Nos primórdios era o cultivo e o cuidado para com a terra, daí agricultura; para com as crianças, donde puericultura; ou para com a divindade, de onde advém a palavra culto.

Com o passar do tempo, o termo foi ganhando novos significados. No Iluminismo, por exemplo, ele se torna sinônimo de civilização. Desta maneira, a cultura passa a ser vista como conjunto de práticas, incluindo a arte, a ciência, a filosofia, as técnicas, etc, que permitem avaliar o grau de progresso e evolução dos povos e sociedades.

Mais recentemente, com o apogeu da filosofia alemã, ela passa a ser defendida e elaborada como a diferença entre natureza e história. Deste ponto de vista, a cultura é o rompimento da adesão à ordem natural – adesão própria aos animais – e a inauguração do mundo humano propriamente dito. A ordem natural é a da causalidade necessária, em vista do equilíbrio do todo. Já a ordem humana é a ordem simbólica, ou seja, a da capacidade do ser humano de se relacionar por meio da linguagem e do trabalho.

Com isso a palavra ganha uma abrangência maior e a cultura passa a ser entendida, nas palavras de Marilena Chauí, “como produção e criação da linguagem, da religião, da sexualidade, dos instrumentos e da forma do trabalho, dos modos da habitação, do vestuário e da culinária, das expressões de lazer, da música, da dança, dos sistemas de relações sociais (...), da noção de vida e morte”. É “o campo – continua a filósofa paulista – em que os sujeitos humanos elaboram símbolos e signos, instituem as práticas e os valores, definem para si próprios o possível e o impossível, a direção da linha do tempo (passado, presente e futuro), as diferenças no interior do espaço (a percepção do próximo e do distante, do grande e do pequeno, do visível e do invisível), os valores – o verdadeiro e o falso, o belo e o feio, o justo e o injusto – que instauram a ideia de lei e, portanto, do permitido e do proibido, determinando o sentido da vida e da morte e das relações entre o sagrado e o profano”.

Henrique Dussel, filósofo argentino e um dos papas da chamada Filosofia da Libertação, defende a cultura como “conjunto orgânico de comportamentos pré-determinados, cujo conteúdo teleológico se constitui a partir dos valores e símbolos dos grupos, ou em estilos de vida que se manifestam em obras de cultura e que transformam o ambiente físico animal em um mundo humano, um mundo cultural”.

A cultura, de fato, representa uma das dimensões essenciais da existência humana e, como tal, encontra-se na base da nossa identidade individual e coletiva. Sociedade alguma jamais conseguirá se consolidar como tal sem um lastro cultural que possa garantir a sua auto-identificação. Deste modo, nenhum povo, nenhuma tribo, nenhum grupo humano... pode ser desprovido de cultura.

Contudo, longe de se constituir um bloco monolítico, estático, a cultura se apresenta em cada realidade de forma peculiar e diferenciada. Por isso, é preferível falar aqui de cultura no plural. É nesta perspectiva que falamos de cultura popular, enquanto conjunto de manifestações simbólicas produzidas e consumidas por um mesmo grupo social.

Com admirável sabedoria, pontifica Frei Hermínio de Oliveira, em estudo voltado para a cultura popular no nordeste brasileiro: “Arraigada no dia-a-dia da vida do povo, a cultura popular não pode ser imaginada a partir de uma teoria “a priori”, mas deve ser descoberta através da observação das manifestações populares. Seu traçado fundamental é, portanto, o seu enraizamento nos costumes de cada um. A linguagem popular nos dá uma idéia aproximada da cultura de um povo, de seus valores e da sua maneira de ver a vida”.

A cultura dita canônica ou erudita é igual em qualquer parte do mundo, pelo menos nos seus traços fundamentais. Ao passo que a cultura popular se assenta na singularidade. Ela jamais se repete. Cada grupo humano possui a sua. E é através dela que estes mesmos grupos se caracterizam, se identificam, se distinguem, se comunicam, se põem e se impõem, enquanto sujeitos sociais e políticos. É justamente aí, que reside o valor, a grandeza e a força da cultura dita popular.

Foi com essa perspectiva que o romantismo germânico foi buscar na cultura popular a base para a construção da tradição cultural alemã. Por demais conhecido é o esforço de pensadores como Herder e os irmãos Grimm, no tocante ao resgate e à preservação das tradições populares, principalmente aquelas relacionadas ao meio rural. São frutos desse trabalho, por exemplo, clássicos da literatura infantil como Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, entre outros. Nenhuma outra tradição nacional foi formada com tanta ênfase no tema da tradição popular como a da nação alemã.

Mais ou menos próximo a essa época obras de relevo da literatura universal foram construídas a partir de elementos colhidos entre as tradições populares. O próprio Shakespeare teria bebido nessa fonte. Obras como Hamlet e Macbeth, entre outras, foram inspiradas na cultura popular do medievo inglês. O mesmo poder-se-ia dizer de um Fausto goethiano no caso da Alemanha, ou de um Dom Quixote no mundo espanhol, este último, por seu turno, fonte inspiradora de trabalhos monumentais, como o Auto da Compadecida, de Ariano Sussuana, para citar um exemplo apenas.

Na transição do século XIX para o século XX, o engenheiro e escritor Euclides da Cunha asseverava, em sua obra magna, Os Sertões, ser o interior do país e não o centro civilizado, o cerne da nacionalidade brasileira. Foi com base nesse princípio que ele penetrou o chamado “Brasil profundo”, despertando a atenção das elites políticas, econômicas e culturais para os inumeráveis problemas que faziam deste, um país dividido entre o progresso do litoral e o atraso do interior. Na mesma época e na mesma esteira de pensamento, estão escritores como Melo Morais Filho, Afonso Arinos de Melo Franco, Sílvio Romero e Araripe Júnior. Todos comprometidos com uma produção intelectual voltada para a valorização das coisas do universo interiorano. Mais tarde, será Guimarães Rosa a penetrar os sertões das Minas Gerais em busca do substrato cultural das populações campesinas – a matéria prima que deu alma, vida e forma às suas criações literárias. Em época mais recente, Luis da Câmara Cascudo viria a consolidar, de uma vez por todas, os estudos acerca do folclore, das tradições, e das culturas populares brasileiras, deixando, nesta área, um dos maiores registros de que se tem conhecimento.

A cultura popular, todavia, vem sendo paulatinamente substituída pela chamada cultura de massa que diuturnamente é veiculada através dos grandes veículos midiáticos, principalmente a televisão. Voltados apenas para os interesses do grande capital, tais veículos, além de não demonstrarem o menor apreço para com as formas de cultura oriundas do povo, vêm trabalhando sistematicamente no sentido de esvaziá-las ou mesmo suplantá-las. O objetivo é muito claro: privar o povo do seu cabedal cultural, para depois cooptá-lo à propaganda mercantilista.

Na região Norte/Nordeste do Estado da Bahia o quadro não é diferente. Conforme observa o professor José Plínio de Oliveira, da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, “Muitas das manifestações culturais de domínio popular (...) acham-se agora ameaçadas de extinção. Há um vácuo que está sendo alargado pela circulação intensa da indústria cultural em detrimento das culturas de raízes populares nestes espaços sertanejos”. O que vem provocando, segundo a observação do acadêmico, uma verdadeira “desertificação nostálgica”.

Senhor do Bonfim, infelizmente, não está longe dessa problemática. Se algumas de suas manifestações têm conseguido sobreviver é porque para isso tem se despendido muito esforço e muita dedicação. Exemplo disso são o Samba de Lata de Tijuaçu, e o Terno de Reis das localidades de Umburana, Baraúna, Passagem Velha e Cazumba I. Isso é uma comprovação de que sem esforço, sem investimento e sem vontade política a cultura popular, estará fadada ao fracasso.

Urge, portanto, que se implemente uma política voltada para a preservação e revitalização das manifestações ligadas à cultura popular. Neste sentido, propomos o que segue: 1) levantamento de todas as formas de cultura existentes no município; 2) elaboração de um plano municipal de cultura que contemple todas as modalidades de manifestação cultural; 3) acompanhamento e monitoramento de todas as manifestações culturais através de capacitações, seminários e oficinas; 4) divulgação das manifestações culturais através de amostras, folders, e meios de comunicação diversos; 5) além da inserção do tema no currículo escolar, como já ocorre em muitos municípios brasileiros.

Desta forma, estaremos dando um grande passo na construção da plena cidadania, uma vez que cidadania passa também pelo respeito que é devotado à memória, à tradição, à cultura... E não esqueçamos nunca de que o nível de civilidade de um povo está sempre vinculado à forma como este mesmo povo lida com seu patrimônio cultural.

Dezembro de 2010

José Gonçalves do Nascimento

sábado, 25 de setembro de 2010

CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2000 - ECUMÊNICA



No Brasil, de 1964 para cá, a cada ano, sempre durante a quaresma, a igreja tem realizado a chamada Campanha da Fraternidade. Esse gesto tem feito com que a sociedade olhe mais de perto e com maior seriedade para aqueles problemas que tanto a afligem.

A Campanha da Fraternidade procura encarar a problemática social a partir da fé no Cristo crucificado e ressuscitado e, à luz dessa mesma fé, esforça-se por apresentar as devidas soluções.

Como vemos, o seu objetivo não é resolver os problemas da sociedade, mas despertar a nossa consciência, na qualidade de cristãos e cidadãos que somos, a fim de que nos interessemos pela realidade que está ao nosso redor e dela tomemos parte, procurando transformá-la.

Neste ano do Jubileu do nosso Salvador, a Campanha da Fraternidade ganhará um caráter ecumênico. Isto significa que ela não será obra apenas da Igreja Católica, mas fruto do diálogo e do esforço comum de outras igrejas cristãs.

Trata-se, então, do trabalho conjunto de homens e mulheres que, movidos pela mesma fé, descobrem que apesar das diferenças, existe algo muito maior que nos une: o ideal cristão.

A Campanha da Fraternidade 2000-ecumênica traz como tema Dignidade Humana e Paz e como lema Novo Milênio sem exclusões.

À diferença dos anos anteriores, em que cada campanha abordava uma única questão social, a Campanha da Fraternidade deste ano resolveu lançar seu olhar sobre toda a grande problemática que envolve a sociedade brasileira.

O texto-base, que serve de subsídio para os agentes de pastoral, apresenta o conteúdo da campanha em três momentos diferentes: o primeiro trata da dignidade ferida nos porões da vida. Aqui são abordadas aquelas situações-limites de que a própria sociedade se envergonha e se escandaliza. Por exemplo, o tráfico de crianças, o trabalho escravo, a prostituição, etc. No segundo momento, o texto fala da dignidade ferida à luz do sol. Aí se trata das situações com as quais a sociedade convive naturalmente sem chegar a escandalizar-se. É o caso do desrespeito à dignidade do índio, do negro, e da mulher. Por último o texto enfatiza os bastidores, ou seja, o porquê de tudo isso. E termina convidando a todos para a promoção da dignidade humana e da paz.

Nos 2000 anos do nascimento do nosso Mestre e Senhor e dos 500 anos de história do nosso país, nada mais justo do que realmente unir nossas forças e, irmanados em torno do único Evangelho de Jesus Cristo, procurar construir uma sociedade nova onde de fato reinem o amor, a justiça, a dignidade e a paz.



Pe. José Gonçalves

Casas Populares

Senhor do Bonfim – Bahia

Nota: publicado, originalmente, no jornal “A Voz da Tapera”, Senhor do Bonfim – Bahia - abril de 2000.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

40 ANOS DE SACERDÓCIO

Sua poesia encanta e liberta. É como o pão que alimenta e a água que mata a sede. Semelhante ao oásis que, apesar da inclemência do deserto, não perde a vitalidade.

Sua poesia canta a terra, canta a justiça, canta a vida... É anúncio, é denuncia... Grito sublime a ecoar nos céus do sertão.

O poeta é também pastor, ou o pastor é também poeta. Ou melhor, um é o outro. Pois o coração é único e o amor que conduz o poeta e o pastor faz com que a poesia e o pastoreio sejam vividos na mesma intensidade de forma conciliada.

Quarenta anos de consagração. O poeta e pastor faz-se dom de si mesmo na caridade pastoral. Quarenta anos de entrega a Deus e ao outro. Vinte anos de padre, 20 anos de bispo. O fruto do seu pastoreio e da sua poesia é visto, é sentido..., é saboreado: a santificação das ovelhas lhes entregues.

Seu ideal é o Reino, projeto do Pai assumido pelo Filho e, por meio deste, confiado aos de boa vontade. No Reino dar-se-á a concretização da verdadeira poesia.

Paróquia de santo Antônio de Jesus; Paróquia de Jequié. Lá estão plantadas as sementes da sua poesia; lá, o seu testemunho de servo perpassa o tempo e a história.

Diocese de Bonfim. Esta desfruta do privilégio de tê-lo como pastor. De ouvir de perto o mavioso cantar do filho de Castro Alves.

Salve Dom Jairo, nestes 40 anos de sacerdócio.

Que o Deus da vida continue a guiar os seus passos de pastor e poeta.

Por José Gonçalves

Seminário Nossa Senhora do Bom Conselho – Ilhéus – Bahia

Nota: publicado, originalmente, no jornal A Tarde, de Salvador, em 08 de dezembro de 1994.

20 ANOS DE PASTOREIO

A Diocese de Bonfim está celebrando 20 anos de caminhada, ao lado do seu quinto pastor, D. Jairo Ruy Matos da Silva.

Este momento marca profundamente a história da igreja de Bonfim e revigora a fé de um povo que muito ama o seu pastor.

Amigo, irmão, bispo e pastor, D. Jairo, ao longo desses anos, sem medir esforços na sua prática pastoral e entregue inteiramente à causa do Reino de Deus, tem levado o Evangelho a todos os recantos da diocese. O fruto do seu trabalho é testemunhado pelas comunidades eclesiais de base, pelos grupos de catequese, pelas pastorais sociais e pelo despertar das vocações cristãs, especialmente as religiosas e sacerdotais.

Quero, com meus colegas seminaristas, unir-me à minha diocese e ao meu bispo para que juntos louvemos a Deus por tão maravilhosa dádiva. Que o Deus de Jesus continue a guiar os passos de D. Jairo e da Diocese de Bonfim.

Jose Gonçalves

Seminário N. S. do Bom Conselho, Ilhéus-BA

Nota: publicado, originalmente, no jornal A Tarde, de Salvador, em 08 de junho de 1994.

PREFÁCIO AO LIVRO "PÁGINAS BONFINENSES" DE PAULO BATISTA MACHADO

À GUISA DE PREFÁCIO

Procurai que, quando ler o vosso livro, o melancólico se alegre e solte uma risada, que o risonho quase endoideça de prazer, o simples se não enfade, o discreto se admire da vossa intenção, o grave a não despreze, nem o prudente deixe de gabá-la.

Miguel de Cervantes Saavedra

Este é mais um trabalho da lavra do professor Paulo Batista Machado. Páginas Bonfinenses é uma coletânea composta de 20 crônicas que versam sobre pessoas e fatos da história de Senhor do Bonfim. Misto de prosa e poesia, de realismo e ficção, a obra que ora vem a lume, é mais uma prova da versatilidade literária do já celebrado escritor grapiúno-bonfinense.

Obedecendo ordem temática e não cronológica, os textos contidos em Páginas Bonfinenses apresentam três eixos temáticos. No primeiro, desfilam as grandes mulheres: Oriana Carvalho, professora e poetisa, de quem o autor guarda as melhores recordações; Pró Zenaura Campos, a eterna e inesquecível mestra do Campo do Gado; dona Alayde Sena Gomes, a abnegada diretora da Pia União das Filhas de Maria, entre outras.

O segundo eixo é o dos grandes homens. Aí estão, além de outros, Dom Antônio Mendonça Monteiro, o dinâmico e virtuoso prelado que governou a Igreja de Bonfim entre os anos de 1957 e 1972; Dom Jairo Ruy Matos da Silva, o bispo poeta que implantou na Diocese as Comunidades Eclesiais de Base; Jonas Costa, o prefeito ingênuo e sonhador que não se cansava de repetir: “Machado, o povo precisa de mim”. Sem esquecer, é claro, do velho e bom Lamartine Lima, o “umbuzeiro do sertão”, na expressão laudatória do seo Oldon Machado, pai do nosso cronista.

No terceiro eixo, após duas belíssimas e bem humoradas crônicas, tendo como protagonistas uma, a copa do mundo, a outra, a suposta presença do temeroso chefe da Al Qaeda em nossa cidade, Machado se atém sobre fatos do cotidiano de Senhor do Bonfim. São registrados, assim, o triste fim do BANEB, o malfadado Banco do Estado da Bahia; os dez anos do Programa Cidade Aberta, do nosso Eloilto Cajuy, “o dono das tardes bonfinenses” e o apelo que o autor, como homem de fé, dirige aos superiores redentoristas, pedindo a permanência daquela congregação na paróquia-mãe da nossa Diocese.

Fruto da pena prodigiosa de Paulo Batista Machado, os textos encerrados em Páginas Bonfinenses, encantam por sua leveza e literariedade absoluta. É impossível iniciar a leitura de qualquer um deles e não se ir até o final. Ao percorrer as páginas que se seguem o leitor, com certeza, deparar-se-á com um subsídio de raro valor histórico e elevada beleza literária.

José Gonçalves do Nascimento

(Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Senhor do Bonfim - ACLASB)

domingo, 22 de agosto de 2010

UM CERTO CAJUEIRO



De antigos desbravadores,

ainda sob o domínio das caatingas,

nasce um certo Cajueiro,

marco de uma história promissora.

Nutrido pela seiva prodigiosa da terra sertaneja,

aquele pioneiro assentou raízes,

floresceu, frutificou;

estendeu seus galhos

e se transformou num grande povo.

E esse povo cresceu, progrediu, fortaleceu-se...

e ganhou uma identidade.

E o Cajueiro, embora vivo,

virou Nordestina;

e Nordestina se tornou um oásis em meio ao sertão,

desafiando a secura da terra.

Essa é a trajetória árdua,

contudo vitoriosa,

de uma gente que nasceu

sob o signo da luta constante.

Tudo começou lá atrás,

pela mão de homens e mulheres

que, com garra e determinação,

acreditaram e apostaram no futuro.

Bendita seja a memória

desses heróis e heroínas,

eternos cajueiros,

cujas raízes continuam aqui fincadas,

tornando esta terra

sempre mais fértil e sempre mais forte.

Fértil, forte e próspera...

eis a marca indelével

de quem nasceu prá ser grande;

grande na hospitalidade;

grande na bravura;

grande na solidariedade...

grande na vontade de querer Ser,

de querer fazer...

de querer acontecer...

acontecer a beleza de ser um grande povo.

Isso é ser Cajueiro:

brotar, crescer, florir, dar fruto,

estender galhos e virar gente,

gente grande.

Isso é ser Nordestina!!!

José Gonçalves do Nascimento



A ESSÊNCIA DO HOMEM


A essência do homem
está na forma
como ele se relaciona
com os seus semelhantes
e a amizade,
sem soma de dúvidas,
é a expressão de maior grandeza
que um ser humano pode demonstrar.

José Gonçalves

terça-feira, 17 de agosto de 2010

180 ANOS DE ANTÔNIO CONSELHEIRO


Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido também como Antônio Conselheiro, Santo Antônio Aparecido ou Bom Jesus Conselheiro, nasceu aos 13 de março de 1830, no termo de Quixeramobim, na antiga província do Ceará.


Filho de Vicente Mendes Maciel e Maria Joaquina de Jesus, Antônio fica órfão de mãe aos quatro anos de idade, quando passa a conviver sob os maus tratos da madrasta. Mais tarde, ao perder o pai, torna-se arrimo de família, incumbindo-se da responsabilidade de cuidar de três irmãs em idade tenra.

Aos 27 anos, casa-se com uma prima, Brasilina Laurentina da Silva que, anos depois, o abandona, fugindo com um furriel da polícia do Ceará. Assume os negócios do genitor, mas não obtendo nenhum sucesso deles se desfaz, vindo a desempenhar, cada um a seu tempo, os ofícios de caixeiro viajante, construtor civil, rábula e professor.

Em seguida investe-se da missão de beato e passa a peregrinar pelos sertões nordestinos, fazendo sermões e aconselhando o povo simples que a ele recorria sequioso dos seus ensinamentos. Torna-se, como escreveu Euclides da Cunha, em Os Sertões, “o emissário das alturas, tendo uma função exclusiva: apontar aos pecadores o caminho dos céus (...) impressionando pela firmeza nunca abalada e seguindo para um objetivo fixo com finalidade irresistível”.

Homem de fé e leitor assíduo da Bíblia, Antônio Conselheiro não demorou a tomar a defesa dos pobres e oprimidos. Numa região profundamente marcada pela miséria e opressão, ele se apresentava como a grande esperança das massas injustiçadas. Começou como advogado dos pobres (rábula), antes mesmo de assumir vida ascética. Depois, ao presenciar mais de perto a situação de abandono a que foram relegadas as regiões por onde andou – abandono não só da parte do poder público como também das autoridades eclesiásticas – começa a empreender esforços em torno de construções básicas como igrejas, santuários, cemitérios e aguadas.
Espalhadas por alguns estados do Nordeste, muitas dessas construções continuam de pé como que a testemunhar, de forma palpável, uma das maiores e mais belas experiências de vida comunitária de que se tem conhecimento.


Em Canudos, depois de um longo período de 20 anos de peregrinação, ei-lo a questionar, de forma mais contundente, as estruturas de poder que há séculos submetiam o Nordeste ao jugo pesado do atraso, da miséria e da opressão. E assim, numa perspectiva mais efetivamente transformadora, passa ele a defender também questões de ordem estrutural como o direito à terra, ao pão e à liberdade.

Isso comprova que Antônio Conselheiro era um homem extremamente solidário, generoso e bom. Sobejam testemunhos a este respeito. Um morador de Santa Luzia (atual município de Santa Luz, Bahia) em carta publicada no Jornal de Notícias de Salvador, em 10 de junho de 1893, no mesmo mês e ano da fundação de Canudos, descrevia o peregrino como “um homem em extremo humanitário – todo abnegação, todo altruísmo”. Manuel Ciríaco o tinha como um “homem bom e respeitador”; Pedrão, como alguém que “só pregava o bem, só fazia o bem”. Estes e outros testemunhos, de igual natureza, são corroborados pelo eminente escritor cearense Abelardo Montenegro, em ensaio de sua lavra intitulado Antônio Conselheiro: “Antônio revelava-se muito religioso, morigerado e bom, respeitoso para com os velhos. Protegia e acariciava as crianças. Sofria com as rusgas entre o pai e a madrasta. Consideravam-no a pérola de Quixeramobim, por ser um moço sério, trabalhador, honesto e religioso”.

Sintonizado com os anseios das massas sertanejas e ciente de sua missão enquanto portador da palavra libertadora de Deus, ele não mediu esforços no combate aos principais males que naquele momento punham em risco a sobrevivência das classes menos favorecidas. Entre estes males figuravam o trabalho escravo, a arrecadação de impostos e o regime republicano. Com a mesma força e determinação combateu o furto, a violência, o adultério, a prática da prostituição, o alcoolismo e toda sorte de vícios.

Na sua prática diária procurou pautar-se, fundamentalmente, naqueles valores que sempre nortearam a vida do povo sertanejo, como a prática da caridade, do perdão, do amor ao próximo, além de fomentar relações solidárias no trabalho, nos negócios e na convivência cotidiana.
Totalmente desprendido dos bens materiais alimentava-se com frequência das esmolas que lhe ofereciam. Nas peregrinações pelas terras calcinadas do Nordeste, andava quase sempre a pé. O seu dia-a-dia era voltado para o trabalho, o aconselhamento e a meditação.


Foi nessas andanças pelas searas sertanejas, que ele chegou às margens do Vaza-Barris, importante rio do semi-árido baiano, onde estabeleceu o arraial místico de Canudos. Nascia, ali, um modelo novo de sociedade, livre do fardo pesado do latifúndio e calcado nos valores da fé, da partilha e da solidariedade. Canudos surgia como o primeiro passo para a libertação total, quando todos viveriam livres de qualquer jugo ou dominação.

Esse sonho, levou o peregrino até as últimas consequências, resultando na guerra que maculou a Bahia e o Brasil.


José Gonçalves do Nascimento

Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim

sexta-feira, 30 de julho de 2010

MONTE SANTO E A GUERRA DE CANUDOS

São muitas as informações sobre a presença de Antônio Conselheiro em Monte Santo. Em 1888, o coronel Durval Vieira de Aguiar, no seu livro Descrições Práticas da Província da Bahia, informava ter visto o beato em terras de Monte Santo, mais precisamente no povoado do cumbe, atual Euclides da Cunha. Anos mais tarde (1892), o Conselheiro se encontrava de novo em Monte Santo, desta feita na sede da vila, onde juntamente com seu séquito realizou alguns reparos no caminho da Santa Cruz. É o que informa o correspondente do jornal Diário de Notícias da Bahia, edição de 7 de junho de 1893: “Fui testemunha ocular de que quando aqui esteve o ano passado, enviou meios de fazer-se alguns reparos nas capelinhas e na estrada do Monte, daqui, a fim de não continuar na decadência em que se achava a instituição da irmandade dos Santos Passos do Senhor do Calvário, pedindo e aplicando o resultado das esmolas que recebeu para esse fim”. No período da guerra, a partir da 2ª expedição, a cidade serviu de base de operação das tropas legais, em demanda de Canudos. Ali se instalou o quartel general do ministro da guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt o qual comandou o serviço de intendência e cuja presença no palco das operações foi determinante para a vitória das forças do Exército. Para facilitar a comunicação dos expedicionários com os grandes centros urbanos do país, principalmente com a Capital da República, a cidade foi dotada de serviço telegráfico.

José Gonçalves do Nascimento
Senhor do Bonfim - Bahia

MASSETÉ E A GUERRA DE CANUDOS



Masseté, pequena localidade do município de Quijingue, ocupa lugar privilegiado no âmbito da geografia da guerra de Canudos. Foi ali que em maio de 1893 se deu o primeiro confronto entre forças legais e os seguidores de Antonio Conselheiro. A partir desse episódio o pregador se deu conta da necessidade de se sedentarizar, pondo fim a quase duas décadas de peregrinação. É por isso que Masseté é apontado como divisor de águas, como ponto de chegada e de partida da experiência mística de Antônio Conselheiro. Neste sentido, a trajetória do fundador de Canudos se partiria em dois momentos: o momento anterior a Masseté, em que tiveram lugar as peregrinações e, ao lado delas, as construções de igrejas, cemitérios, aguadas, etc., e o momento posterior a Masseté em que se deu a fixação do grupo conselheirista, resultando na povoação do arraial de Canudos.


José Gonçalves do Nascimento
Senhor do Bonfim - Bahia

segunda-feira, 19 de julho de 2010

100 ANOS DA COMUNIDADE DO CAZUMBA (PARTE 1)

NO COMEÇO

Tudo começou com um casal de viúvos. Carlos Cardoso de Barros e Thereza Maria de Jesus chegaram à fazenda Urubu, em terras da então Villa Nova da Rainha, e ali fixaram moradia. Algum tempo depois os dois se casaram e tiveram filhos. Eles vieram de Porteiras, região do Cariri, próximo a Juazeiro do Norte, no Ceará. Saíram de lá, provavelmente, tangidos pela terrível seca que assolou aquele estado no período de 1877 a 1879.

A SECA DE 1877-79


Tida como a pior estiagem da história do Nordeste, a seca de 77-79, dizimou quase metade da população cearense. Dos 800 mil habitantes existentes na época, 300 mil morreram de fome e sede, ou emigraram para outros estados do Brasil, inclusive a Bahia. Contrariando a política oficial, que garantia a cada brasileiro o direito de receber socorro em situação de calamidade, o Império atuou em duas frentes distintas: uma foi a utilização dos flagelados em obras públicas e particulares, e a outra, a dispersão desses mesmos flagelados, enxotando-os para outras regiões do Brasil.

A PRESENÇA DOS CEARENSES EM SENHOR DO BONFIM

Entre as levas de cearenses transmigrados para a Bahia e aportados em Villa Nova da Rainha, estão os irmãos Vilanova (Antônio e Honório Francisco Assunção), personagens célebres da história de Canudos e Antonio Conselhiro. Estabelecidos na comunidade canudense, após algum tempo residindo na então futura Terra do Bom Começo, os irmãos Vilanova se tornariam detentores do maior estabelecimento comercial do arraial de Canudos. Isso lhes conferiu prestígio e os fez participar do grupo das pessoas mais influentes do séquito conselheirista. Antes de findar a guerra e com o consentimento de Antônio Conselheiro, os dois voltariam para o Ceará, levando família e fortuna.

OS PIONEIROS


José Carlos Cardoso, carpinteiro de ofício, filho de Carlos Cardoso de Barros e Thereza Maria de Jesus, casou-se em 1910, com Maria Virgínia de Jesus, natural da Missão do Sahy, indo morar na fazenda Serraria e tornando-se desta o pioneiro. O nome, segundo a gente do lugar estaria relacionado à profissão do seu primeiro morador. Com o passar do tempo a antiga fazenda Serraria desdobrou-se em três: Serraria do Carlos, Serraria do Bento da Passagem Velha e Serraria de Joaquim Timóteo. Anos mais tarde as três voltariam a se fundir, resultando no que é hoje a comunidade do Cazumba.

O nome Cazumba, de fato, surgiu muito tempo depois. Para dona Rosa Maria Carlos, de 90 anos, filha dos primeiros desbravadores do lugar, o topônimo se deveu ao fato das pessoas associarem a fazenda Serraria a uma outra fazenda, mais adiante, denominada Cazumba, hoje batizada por Sanharó. Já para Nelson Neves, de 70 anos, sobrinho do carpinteiro, o nome Cazumba tem a ver com uma carcaça de animal, provavelmente de gado vacum, que ficava na beira da estrada, próximo à fazenda Serraria.

O SIGNIFICADO DA PALAVRA CAZUMBA...

Para o antropólogo Raul Geovanni da Mota Lody, responsável por vários estudos na área das religiões afro-brasileiras, o termo cazumba ou cazumbá descende do grupo etimológico Cazumbi, Zumbi, Nzumbi, originário do Kibundo Nzumbi, macrogrupo etnolingüístico Bantu. Trata-se de uma entidade espiritual “que se supõe estar pelo mundo participando com os vivos”. Algo como um espírito animal, “remetendo aos rituais dos caçadores na floresta”. Ou “uma fusão dos espíritos dos homens e dos animais”. “É ser eminentemente fantástico, misterioso...”. (LODY, Raul. Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-brasileiras, Pallas Editora, Rio de Janeiro, 2003, p. 228).

Cazumba seria uma figura entre homem e animal, sem ser nem um, nem outro. Ou entre macho e fêmea, sem assumir nenhuma das duas condições. O sentido da palavra estaria relacionado também a duende ou fantasma que, segundo a crença popular afro-brasileira vagueia pela noite, fazendo encantamento e aprontando travessuras.

O estudioso Nei Braz Lopes, autor de trabalhos voltados para as questões da África, indica ser o “cazumba uma máscara de procedência africana encontrada em alguns autos populares” do Brasil. (LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, Selo Negro, São Paulo, 2004, p. 180).

Com efeito, é no bumba-meu-boi do Maranhão que vamos encontrar essa figura extraordinária. A pesquisadora Juliana Bittencourt Manhães, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que acompanhou de perto esse ritual, tendo, inclusive, convivido com pessoas que dele fazem parte, nos traz informações valiosíssimas quanto à presença do cazumba naquele segmento da cultura popular maranhense. “O cazumba – diz ela - é um personagem dos bois da região da baixada, território com campos baixos, que alagam na estação das chuvas (...). São bois com um ritmo cadenciado, a presença do badalo, pandeirões menores ou caixas, enormes chapéus bordados com penas de ema e a presença do cazumba. É uma figura mascarada, sua indumentária é chamada de bata ou farda, um vestidão cheio de bordados e coloridos com um cofo de palha usado na cintura, trazendo uma figura grotesca, com uma bunda enorme que balança. Na mão segura um badalo, tipo sino de boi, avisando que o bando de cazumbas está chegando”.(http://www.portalabrace.org/vcongresso/texto/estudosperformance >Acesso em: 04-08-2010).

... E COMO ISSO CHEGOU ATÉ AQUI?


O que teria a ver o nosso Cazumba com o personagem afro-brasileiro dos folguedos do Maranhão? Haveria alguma aproximação entre o boi do folclore maranhense e o boi da carcaça que batizou a belíssima comunidade do interior bonfinense? De que maneira teria se dado uma tal aproximação? Talvez, uma das respostas a este questionamento esteja no fato da então fazenda Serraria ser cortada por estrada tropeira, por onde transitavam pessoas de grande parte do Nordeste. De qualquer forma a questão continua em aberto, a espera de estudo mais aprofundado.

José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim (ACLASB).
e-mail: jgoncalvesnascimento@hotmail.com

quinta-feira, 3 de junho de 2010

OS ÚLTIMOS MOMENTOS DE CANUDOS

Por José Gonçalves do Nascimento

Entre 1893 e 1897, poucos anos após a proclamação da República, a Bahia se apresentava como cenário de um dos mais extraordinários exemplos de mobilização popular que a história brasileira já registrou: o arraial de Canudos ou Belo Monte. Edificado por Antônio Conselheiro e seus seguidores, Canudos representou o anseio de liberdade que, há séculos, era alimentado pelos pobres do Nordeste. Ali, os sertanejos puderam, finalmente, adquirir sua tão sonhada autonomia. Livres do domínio dos coronéis e conduzidos pelos ideais de uma vida nova, eles foram responsáveis pela construção de um modelo alternativo de sociedade, onde teve lugar a prática da partilha e da solidariedade. Em pouco tempo, o arraial sertanejo se transformou num dos maiores aglomerados populacionais da Bahia, chamando a atenção do país e tornando-se, como alegava o barão de Jeremoabo, “a questão do dia que preocupa todos os espíritos lúcidos” do Brasil. Completamente insubmissa aos ditames do regime republicano, que acabava de se instalar no país, a comunidade de Canudos acabou despertando a ira das elites brasileiras, as quais resolveram apelar para o ataque. Era a Guerra de Canudos.

Em novembro de 1896, o governo republicano, apoiado pelos latifundiários e pela cúpula da Igreja Católica, declara guerra à “aldeia sagrada” dos sertanejos. Para exterminar Canudos, o Estado Brasileiro mandou ao sertão da Bahia nada menos que quatro expedições militares, totalizando um contingente de mais de 12 mil homens em armas - mais da metade do efetivo do Exército naquele momento. A capacidade bélica dos sertanejos, inicialmente subestimada, surpreendeu os inimigos. A cada batalha travada, as forças legais sofriam novas baixas e o poder de fogo dos canudenses saía fortalecido. As três primeiras expedições, que juntas totalizavam mais de 2 mil homens, foram esmagadas fragorosamente. As sucessivas derrotas puseram em pânico o Governo da República, que passou a ver em Canudos um perigo cada vez mais real e assustador. Impunha-se, portanto, que se tomassem medidas mais enérgicas. Afinal de contas – acreditava-se – era o destino da República que se encontrava em jogo. O Governo não tardou e uma nova expedição foi mandada às terras sertanejas, dessa feita, com mais de 10 mil soldados. As elites, então, puderam respirar aliviadas. Canudos, finalmente, estava liquidado. No conflito, morreram cinco mil soldados e todos os habitantes do burgo conselheirista.
No dia 5 de outubro de 1897, se deram os combates derradeiros. Era o desfecho de quase um ano de luta renhida, em que brasileiros guerrearam contra brasileiros. A seguir, os últimos lances dessa epopéia, na visão de testemunhas oculares.

"Canudos não se rendeu. Exemplo unico em toda a historia, resistiu até ao exgottamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, cahiu no dia 5, ao entardecer, quando cahiram os seus ultimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dous homens feitos e uma creança, na frente dos quaes rugiam raivosamente 5 mil soldados”

Euclides da Cunha [Os Sertões] correspondente do Jornal O Estado de São Paulo em Canudos, 1897)


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“Ao clarear do dia 5, já pouco movimento se observava no centro inimigo; o fogo era fraquissimo e, nem mesmo mulheres se viam mais. Os soldados, impacientes, foram pouco a pouco se introduzindo nas ruinas dos fanaticos e, dahi a momentos, tinham varejado casa por casa, cujas paredes ainda se mantinham de pé, examinado vallas, subterraneos e tudo quanto havia de mysterioso ali. Os ultimos atiradores que encontraram ainda, de armas na mão, nervosos, alucinados, fazendo fogo sobre elles, morreram nessa occasião e sepultaram-se na mesma valla em que foram encontrados. Eram quatro: um velho, ferido na perna direita, um rapaz de 18 annos presumiveis e dois outros homens vigorosos. Estava tudo acabado (...) Difficilmente se descrevem quadros como os que se desdobram diante de nós! Quasi todas as casas tinham ardido inteiramente, o chão dir-se-ia tapetado de negro e cinza e, por toda parte, montões de cadaveres carbonisados, horrendos, nas ultimas posições dos musculos contraidos! As vallas que os desgraçados abriam para se occultar e donde nos alvejavam com a maior certeza, estavam repletas de cadaveres. Ahi morriam e ahi se depositavam. Os ultimos pouco se inquitavam com os que jaziam nesse estreito espaço rectangular, onde em breve estariam tambem sepultados. A maior parte dos corpos de crianças, tambem carbonisados, encontravam-se extremamente conchegados aos de adultos, cujo sexo feminino ainda se reconhecia (...) tudo, enfim, se tinha acabado ali. O exterminio absoluto do contendor suplantado - tal foi a conclusão dessa luta de horrores!"

(Emídio Dantas Barreto [Destruição de Canudos], oficial do Exército, integrante da 4ª expedição contra Canudos, 1897)


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“Quando ao amanhecer do dia 5 soldados invadiram francamente o recinto onde tão singulares cenas eram passadas, o fogo de fuzil cessara de todo. Findara a resistência por falta de atiradores entre o inimigo e o incêndio também completara a sua obra, só restando pequenas fogueiras e espirais de fumaça, surgindo entre os escombros das habitações. Poucas casas escaparam ao fogo, mais em ruínas, devido à metralha.
No entanto, na trincheira, no centro do reduto, permaneciam 4 fanáticos sobreviventes do extermínio.
Esses haviam terminantemente recusado entregarem-se à intimação dos soldados e fizeram fogo. Eram: um velho, coxo por ferimento e usando uniforme da Guarda Católica; um rapaz de 16 a 18 anos, um preto alto magro e um caboclo.
Ao serem intimados para deporem as armas, investiram com enorme fúria. O preto, empunhando um machado, descarregava sendos golpes. Num momento eram cadáveres, ficando entre os muitos apodrecidos no mesmo local. Assim, estava terminada e de maneira tão singularmente trágica a sanguinosa guerra...”.

(Henrique Duque Estrada de Macedo Soares, [A Guerra de Canudos] oficial do Exército, integrante da 4ª expedição contra Canudos, 1897)


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"A 5 de outubro, depois de uma resistência louca, digna de melhor causa, o inimigo sitiado pela sede que nele se fazia sentir horrivelmente, pela fome, pelo incêndio e pelas balas, entregou-se de vez, ou antes deixou se fazer ouvir pelo estampido dos seus bacamartes e detonação de suas armas, porquanto tinham perecido na luta todos os seus homens válidos, e quando as nossas forças penetraram no seu último esconderijo, ali se encontravam montão de cadáveres de homens, mulheres e crianças, que foi avaliado em número superior a oitocentos! O batalhão do Amazonas, tanto ou mais que nem outro, concorreu brilhantemente para o êxito final, batendo-se abnegada e heroicamente sem visar interesse de ordem alguma, e auxiliando por todos os modos o General-em-Chefe a debelar tão nefanda quanto desgraçada revolta”.

(Cândido José Mariano, [A Força Pública do Amazonas em Canudos] atuou contra Canudos, como comandante de um corpo da Polícia Militar do Amazonas, 1897)


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“No dia 5 uma fulgurante aurora rompe n’aquella zona, que em tudo quer provar de quanto é capaz a magnificencia de nossa natureza.

Não viam-se mais aquellas densas nuvens de neblina, que quotidianamente circundavam os montes situados em derredor, occultando o regio astro nem ouvia-se o canto insupportavel do fuzil, mas apparecia illuminada a fimbria do horisonte, como que a indicar-nos a alviçareira nova que havia de surgir e feria-nos os ouvidos o canto mavioso do cardeal, que em abundancia lá existia; avistavam-se os montes, tendo coroados os seus cumes de linda neve como se fôra o symbolo argenteo da paz e do progresso.
A anciedade era geral: queriamos que se désse o desenlace ha tanto esperado, ainda mesmo que fosse coroado pelo infortunio, impossivel quasi n’essa occasião.
Estavam no acampamento mais de 800 jagunços e todos eram unanimes em dizer que já não existia o Conselheiro. Estavamos, eu e os companheiros de visita ao reducto, a conversar com o illustre Major Frederico Mára, junto a egreja nova, quando ao laborar o fogo pelo resto das casas, apenas foram vistos 3 homens. Então a tropa começou a entrar pelas demais ruas, vendo-se mulheres que, ao inquirir-se lhes se queriam agua, pois já fallavam mal, respondiam-nos que preferiam a morte.
Circulou, então, com relance do raio a noticia sublime de – Victoria! Victoria!

Alvim Martins Horcades [Descrição de Uma Viagem a Canudos], estudante de medicina, integrou o corpo médico destinado a Canudos, 1897)

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“Estava marcado que Canudos seria arrasado neste dia...
O clarim deu sinal de degola e a tropa invadiu, por todos os lados, todo o arraial.
Fizeram mão rasa nos habitantes; a idade, o sexo, a cor, as condições fisiológicas dos que foram encontrados neste hediondo dia, em Canudos, não foram respeitados.
As roças foram incendiadas, as casa derruídas com os jagunços dentro.
O perfume podre dos cadáveres insepultos, que alastravam o arraial há dias, fora abafado pelo cheiro de carne assada que tresandava das fogueiras.
Mortos os maridos, a lei dos católicos não foi menos cruel do que a dos filhos de Brama para as viúvas.
Era preciso queimá-las e queimaram-nas.
O castigo era pouco e era mister um exemplo pomposo e feroz, que o tzar da Rússia e Torquemada nunca deram. Respeitaram estes, nas vítimas de sua perseguição, as que se achavam grávidas.
Em Canudos, os ventres em gestação, como caldeiras humanas, aqueceram-se, ebuliram-se e se não estouraram foi devido ao fogo já ter abrasado as paredes das comportas onde jaziam embriões e fetos que o fogo ia incinerar.
De mais se houve brados de socorro e misericórdia, a voz do incêndio e o estrondo do bombardeio abafaram!”.

(Manoel Benício [O Rei dos Jagunços], correspondente do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897).


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“Afinal os canhões calaram-se e, dos flancos,
Da cidade sitiada, em rispidos arrancos,
Os soldados então desceram, suspendendo
As baionetas de aço, e foram envolvendo
O adversário infeliz num circulo de lanças,
Cada vez mais estreito. Os velhos e as crianças,
Não podendo correr, morriam transpassadas
Pelas armas. E sempre em ordem e animadas,
Seguiam para adiante as forças legaes, cheias
De intrepidez, com o sangue a referver nas veias...

(...)

Logo após se viu o mais terrivel
Quadro: Velhos de olhar horrifico e severo,
Jogavam-se no fogo; homens com desespero,
Lançavam-se tambem por entre as brazas quentes,
Crispando as mãos, olhando o céo, rangendo os dentes.
Com as carnes a chiar incendiada pelo
Fogo que lhes torrava os olhos e o cabello...
As mães, sentindo na alma impetuosas flammas,
Com os filhinhos no collo, atiravam-se ás chammas...
Era um drama de dor aquelle atroz martyrio,
Como um sonho horroroso em noites de delírio!

(...)

O combate acabou, quando na immensidade
A lua appareceu, triste como a orphandade”.

(...)

“ A cidade está desfeita em brasas...
Uma, e outra depois, foram cahindo as casas...
As chammas infernaes, brutas e malfazejas,
Incendiaram já as rusticas igrejas,
Cujas torres – que horror! – outr’ora tão queridas
E tão perto do céo, não foram destruidas
Pelo incendio brutal, porque antes os soldados
As tinham derruido a tiros continuados
De canhão... Felizmente as duas altaneiras
Torres, que eram tambem horrificas trincheiras,
Não viram este quadro...”.


(Francisco Mangabeira [Tragédia Épica] estudante de medicina, integrou o corpo médico destinado a Canudos, 1897)

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“Não se pode dar um passo sem se tropeçar em uma perna, um braço, um crânio, um corpo inteiro, outro mutilado, um monte de cadáveres, aqui meio queimado, outro ali ainda fumaçando, outro adiante completamente putrefato, disforme, e ao meio de tudo o incêndio e uma atmosfera cálida e impregnada de miasmas pútridos. Por toda parte o cheiro horripilante de carne humana assada nos braseiros das casas incendiadas, 5.200 casas em labaredas!
Já não se ouvem as lamentações das mulheres e das crianças, nem as ameaças canalhas dos bandidos. A morte pela fome, pela sede, pela bala, e pelo incêndio, emudeceu a todos, substituindo as lamúrias do banditismo, pelos alegres sons dos hinos de vitória!
Canudos não existe mais!
Para a nossa infelicidade, basta a sua eterna memória, que mais parece um pesadelo.
Enfim, está acabado.
Na manhã de 5, tendo cessado o fogo às 5 e 50 minutos, a jagunçada começou a fazer entrega de mulheres e crianças, em número superior a cem, algumas feridas, mais ou menos gravemente, porém todas famintas, sedentas, esquálidas, verdadeiras múmias ambulantes, caminhando com dificuldade...
Os soldados lançavam lenha sobre as fogueiras, o Tenente Dourado lançava dinamite e em poucos minutos todo o recinto sitiado era um vasto incêndio, mal se ouvindo as agonias das vítimas do fanatismo.
E o incêndio lavrava desesperado e violento, devorando com suas labaredas, casas, homens, mulheres e crianças, nada poupando, nada respeitando. O fétido nauseabundo da carne humana em cremação, era insuportável para quem estava, como nós, a 20 metros de distância.
Canudos era uma vasta fogueira! As ruas estavam tapetadas por milhares de cadáveres!...
Uma mulher atirou-se às chamas com uma criança ao colo, outra estava morta na rua com uma criança colada aos mirrados peitos; muitos jagunços morreram queimados, dando vivas à Monarquia e ao Bom Jesus Conselheiro, recusando peremptoriamente darem vivas à República.
Nunca se viu uma campanha como esta, em que ambas as partes sustentaram ferozmente as suas aspirações opostas”.

(Fávila Nunes, correspondente do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897)
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“No comboio de 5 chegou grande quantidade de querosene, que foi atirado às casas que restavam e aos fojos em que o inimigo se entrincheirava.
O incêndio aí tomou proporções infernais. Por entre as chamas queimavam-se madeiramento e corpos humanos; havia muita coisa de imensamente sinistro e os fanáticos, podendo fugir a essas línguas de fogo que se levantavam indômitas, atiravam-se a elas até com crianças, quando podiam render-se! Render-se...”


(Lelis Piedade, correspondente do Jornal de Notícias, de Salvador, em Canudos, 1897)

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“Em enorme buraco os nossos homens atearam grande fogueira. De dentro dolorosamente começaram a gritar: - Pelo amor de Deus, por Nossa Senhora, pela Virgem Maria, apaguem esse fogo que nos entregamos!
Corremos então à praça de Canudos. Percorrendo as ruas da cidade tive ocasião de observar o quanto se acha ela devastada, parecendo impossível que as suas casas ainda possam servir aos habitantes. Em alguns pontos vi enormes fogueiras, cujo principal combustível eram os corpos dos revoltosos, alguns dos quais ainda se acham insepultos dentro dos infectos pardieiros.
Voltando até a tarde assisti a um espetáculo inenarrável. Grupos e mais grupos de mulheres e crianças, a maior parte apresentando feridas gravíssimas, vinham de Canudos para o local em que estávamos, cobertos de imundície, nus, desfalecidos pela fome e pela sede.
À tarde, calculei em 400 pessoas quando as vi reunidas dentro do quadrado formado por praças do 1° batalhão de polícia do Pará e do 12° do Exército. No espaço misturavam-se tristemente gritos de dor, pedidos de um pouco d’água ou de um pedaço de carne”.

(Alfredo Silva, correspondente do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro, em Canudos, 1897)

sábado, 29 de maio de 2010

PAULO MACHADO LANÇA "PÁGINAS BONFINENSES" NO CONTEXTO DA CIDADE

Sob o cerco presencial de figuras do mundo acadêmico, literário, artístico, midiático, da Filarmônica União dos Ferroviários Bonfinenses e monólogo teatral, o prefeito Paulo Machado lançou às 18 horas desta quinta-feira (27) no pátio interno do arqui-histórico prédio da Prefeitura Municipal, a coletânea de crônicas “Páginas Bonfinenses”. Trata-se do 11° livro do autor.
Semelhantemente à linguagem das 20 crônicas desta obra de 66 páginas, o breve discurso de Paulo Machado foi rico de informalidade, cheio de humor e de singulares expressões de sentimento. Às 21 horas, autografava o enésimo exemplar de “Páginas Bonfinenses”. O advogado Antonio Campos, engenheiro Pedro Deraldo, Frei Monteiro, Tito Rocha, Verbênia Tércia, Amenair e dezenas de concorrentes já estavam contemplados com a dedicatória. Quando lhe foi perguntado “O que é este livro?”, ele nem meditou: “É um filho. O mais novo. Por isso merece esse carinho todo especial, esse afago em relação a Páginas Bonfinenses, que na verdade vem completar toda uma experiência de espírito e reflexão em torno da vida da minha cidade querida de Senhor do Bonfim”.
O microfone se afastou do autor e ele continuou abraçado ao que já lhe é clássico, autografar produtos de sua elaboração intelectual. Desta feita ele selecionou crônicas “de raro valor histórico e elevada beleza literária” – como assinala o Prefácio de José Gonçalves do Nascimento, presidente da Academia de Ciências e Letras de Senhor do Bonfim. Porém, uma de suas rotinas é pesquisar, escrever, organizar, publicar – prosas, poesias, artigos, crônicas, ensaios, monografias, dissertações, teses. Estilos, gêneros e temas são interpenetrados pela abrangência de conhecimento do teólogo, filósofo, educador, eterno estudante e finalmente prefeito Paulo Batista Machado.
Significados – Lucas Emanuel Sousa Muricy, 15 anos, 1° ano do ensino médio: “Um incentivo, a internet desvia nós jovens de dos bons livros. Vim buscar o livro do mestre Paulo pra ler”. Eurídice de Carvalho Melo Pita, advogada, poetisa e membro da Academia de Artes e Letras de Senhor do Bonfim “São crônicas exprimidas de maneira ímpar por um mestre da produção literária”. Camila Maria Libório Machado, advogada, escritora e filha do autor. “As crônicas nos leva a refletir sobre o papel que temos a desempenhar no cotidiano; se bem observarmos, elas nos dão a responsabilidade de contribuir para a sociedade como um todo.
Conteúdo – Estivera algum dia o temido Obama Bin Laden escondido em Senhor do Bonfim trazendo pânico à orgulhosa cidade? Achara ele que as minitorres gêmeas do nosso monumento na entrada principal da cidade seria ousada miniatura do World Trade Center “avionado” em Lower Manhattan, Nova Iorque? Ou queria destruir a relíquia cultural e até “o sabor de coisas idas e perdidas” do Beco do Bazar? Aprontaria então algo contra a terra que deu à Pro Zenaura aquele “olhar doce, suave e carinhoso”? E a visão do autor sobre a Copa do Mundo de 1970? (O que pensa dela agora o flamenguista? Não, isso não está nas crônicas). As crônicas nos levam a lugares, figuras, fatos e sensações verdadeiramente recuperadoras da história da terrinha. Viajam para aléns não ficcionais. Tiram o pé prá fora das serras circundantes da terrinha. Páginas assim, de acordo com Andreilton Barbosa, “preenchem lacunas na consciência histórica” do bonfinense. Se não for assim, o autor se dispõe a esclarecer mano-a-mano. É o que está escrito na segunda orelha do volume.

Assessoria de Comunicação Social do Governo Cuidando da Nossa Gente
28/05/2010

quinta-feira, 27 de maio de 2010

ACADÊMICOS TEATRALIZAM EM SOLENIDADE AO ANIVERSÁRIO DA CIDADE

Quem não foi, não viu... perdeu! Pode-se dizer que a Academia de Artes e Letras de Senhor do Bonfim realizou e surrealizou, no mais estrito sentido literário e artístico, a sua Sessão Solene ocorrida na noite de ontem (24) em “homenagem ao Aniversário da Cidade”.


Teatro – Houve surpresas e suspenses hitchcockianas. Um espectador pirou. Saiu do meio do público e interrompeu o ato solene aos gritos e frases desconexas – Cadê a chave?... Ah, achei! Não, não é a chave!... Por minutos, seu olhar agitado pôs todos em vexame: “É bebida ou...”. “Ele não ta bem...”. – “Não, não ta!”. Tem nêgo bebo aí? Felizmente, Benedito Oliveira apenas se deixara programar para cometer a síndrome artística. Dramaturgo, produtor e ator, ele concluiu a performance com um poema à cidade aniversariante.

Bom começo – Páginas de reflexão remetidas a Von Martius e a Rui Barbosa deram referência histórica e forma historiográfica ao discurso do presidente José Gonçalves, da Academia. De Rui, ele foi buscar que o “bom começar é meio caminho andado para o bom acabar” – para saudar a progressiva continuidade da terra do Bom Começo.

Cantata – Na noite de pronunciamento dos acadêmicos, Leonor Sena Gomes e outros confrades declamaram poesias afins aos 125 anos de emancipação. Daniel Gomes já tinha feito também boa e inesperada interpretação músico-vocal. Nada mais comovente que a canção Tocando em frente de Almir Sater e Renato Teixeira na voz da confreira Regina Salgado, com Téo Canarana no teclado. Desde o começo: “Ando devagar porque já tive pressa” até o verso final “Cada ser carrega em si o dom de ser capaz, de ser feliz” a suavidade musical da cantata colocou a platéia em cumplicidade coloquial com indefinidos sentimentos: lânguidos... ternos... saudosos... Felizes como propõe a última palavra da composição. Todos acompanharam a repetição, em louvor ao acalanto de interpretação e como não continuou: “Oooooh!”

Anônimos – Quem bem aproveitou a “climatização” foi o Professor. Historiador, poeta, fundador da Academia, o Prefeito Paulo Machado reviveu para os presentes ângulos sensibilizantes da saga humana dos que se responsabilizaram pela “construção do que hoje celebramos: a existência de uma cidade em festa pela emancipação há 125 anos”. Os loiros colhidos por nomes inscritos em placas não justificam nossa omissão às almas anônimas, esquecidas no processo do nosso desenvolvimento. Da Missão do Sahy e de antes, o Doutor Paulo Machado rememorou reflexivamente. Grupos e etnias outrora massacrados hoje são reconhecidos em descendentes “apenas nos olhos amendoados e cabelos lisos”. Remontou a história mais recente também, fixando personagens paisagísticos e humanos de décadas passadas. “A cidade que escapou de nossas mãos”.

Só canção - “Pena que o auditório da Câmara não estivesse superlotado. É quase um infortúnio gostar de canções que penetram no despertar da alma e não ter estado aqui” – murmúrio do Dr. Aurélio Soares, compreendendo que “tudo hoje aqui foi canção”. De fato, Tito Rocha anunciou o Hino Nacional na abertura e também no enceramento da reunião. Intelectuais secretários da administração municipal, políticos, artistas e populares confraternizaram-se na festividade.


Assessoria de Comunicação Social do Governo Cuidando da Nossa Gente - 25/05/2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

DISCURSO DO PRESIDENTE DA ACLASB, POR OCASIÃO DOS 125 ANOS DE SENHOR DO BONFIM



Sentimo-nos lisonjeados de, na condição de presidente da augusta Academia de Ciências, Artes e Letras de Senhor do Bonfim, participar deste ato solene em comemoração aos 125 anos desta elegante e hospitaleira cidade.

Reportamo-nos aqui, àquele longínquo 28 de maio de 1885, ainda em plena Monarquia, quando pela Lei Provincial de n° 2.499, a antiga vila, denominada Vila Nova da Rainha, condição que ostentava desde 1799, é elevada à categoria de Cidade, com o “auspicioso” nome de Senhor do Bonfim.

Mais do que um marco cívico na vida dos cidadãos e cidadãs, o aniversário de uma cidade é uma página que viramos para conquistar novos sonhos e continuar reescrevendo a história.

Comemorar implica fazer recordar, lembrar, trazer à memória, solenizar para recordar.
Neste sentido, queremos trazer para este ato solene e comemorativo a memória de todos aqueles que, indistintamente, independente de estratificação social, contribuíram para o progresso e o engrandecimento desta terra.

Na mesma perspectiva, achamos oportuno incorporar a esta humilde intervenção, algumas das inúmeras impressões que se registraram sobre Senhor do Bonfim, ao longo de sua história. Cremos de bom alvitre, dar a eles, os responsáveis por esses testemunhos, a oportunidade de puderem falar novamente.

O primeiro testemunho, para obedecermos a ordem cronológica, nos vem de Carlos Frederico Philippe von Martius, naturalista alemão, designado por ninguém menos que sua majestade, D. João VI, na época em que o Brasil servia de refugio à dinastia de Bragança, para pesquisar as províncias mais importantes do Brasil e formar coleções botânicas, zoológicas e mineralógicas.

Von Martius esteve em Vila Nova da Rainha, segundo ele mesmo informa, em março de 1819, num momento em que uma terrível seca devastava a região. Em razão disso, nos legou impressões por demais negativas a respeito da então futura Terra do Bom Começo. As informações constam do livro Através da Bahia, escrito em alemão e vertido para o português em 1916, portanto cem anos depois. É o que veremos, em fragmentos:

“Vila Nova da Rainha, chamada Jacobina Nova, foi sempre uma aldeia pobre cuja prosperidade depende do comércio entre a Bahia e a província do Piauí. Achava-se pela absoluta falta de chuvas, num estado de consternação, num abatimento e calamidade de que então não podíamos fazer ideia. Vimos grandes plantações de feijão, milho e mandioca, todas queimadas pelo sol violento, como entre nós acontece pela ação extemporânea da friagem. Campos, estorricados pela grande seca, haviam ficado sem plantação desde alguns anos, deixando ver fileiras de troncos sem folhas e sem vida. Nada podia mais concorrer para diminuir as esperanças exageradas de muitos imigrantes europeus irrefletidos, do que o aspecto de uma vegetação assim assolada. Muito gado havia perecido de fome e sede e uma parte dos moradores abastados mudaram-se para o Rio São Francisco, de onde presentemente se importavam todos os mantimentos”.

O cientista germânico, contudo, nos traz informação reveladora: “Tamanha pobreza agrícola – continua ele – como a que ali observamos, nos parecia tanto mais inesperada, quando os arredores da vila se prestavam a qualquer cultura, pois a aldeia é rodeada de montanhas (...) que em seus vales têm caatingas altas e camadas de humo relativamente espessa”.

O cenário de von Martius seria contrastado, cerca de 70 anos depois, pelo de Durval Vieira de Aguiar – coronel da Polícia Militar da Bahia, incumbido de percorrer os municípios da província baiana, a fim de traçar-lhes o perfil sócio, político e geográfico. Esse trabalho de gigante originaria o volume intitulado Descrições Práticas da Província da Bahia, em cujas páginas avulta o nome de Senhor do Bonfim. Da visita, ocorrida provavelmente em 1888, resultaria o depoimento que transcrevemos em parte:

“A cidade há poucos anos tinha 1.005 prédios, divididos em dois bairros: um antigo, com velhas e feias casas, fica na parte mais baixa – do lado em que se acha a estação; o outro, mais modernamente construído, aumenta progressivamente de edificação em torno e nas imediações da praça do mercado, a qual se compõe de um grande quadrilongo levemente arrampado. Aí acha-se localizado o grande e animado comércio, constante de muitas e bem sortidas lojas e armazéns. A feira que ali se faz nos sábados, é ainda incontestavelmente uma das primeiras da Província, tanto pela grande concorrência, avaliada em mais de 20 mil pessoas, como pela afluência de gêneros e giro de grandes capitais. Em tempo de seca esse grande mercado abastece Monte Santo, Juazeiro, Capim Grosso (atualmente Curaçá) e até parte dos sertões do Ceará (...). Nas imediações da cidade existem magníficos sítios de uma verdura encantadora em frutas e cereais. (...) Os demais terrenos semeados de grotas, regados de riachos, sombreados por matas e montanhas, oferecem à lavoura, no fundo dos vales, uma prodigiosa fertilidade, perfeitamente abrigada dos ardores do sol, que resseca a parte saliente destinada a criação, para a qual existem diversas fazendas (...) O termo de Vila Nova é um verdadeiro oásis posto no meio dos agrestes e quase estéreis tabuleiros do norte do nosso sertão (...) O clima é ameno e perfeitamente salubre, a água é excelente e a alimentação boa e barata. (...) A pequena lavoura [uma referência, poderíamos dizer, em termos modernos, à Agricultura Familiar – NdA], justamente a que engrandece os países, e não a que monopoliza, é que abastece o termo, e que vai crescendo sem sentir o braço escravo, coisa rara no sertão, e cujo desaparecimento só aflige aos grandes senhores do recôncavo”.

Outro testemunho digno de nota nos legou o escritor bonfinense Lourenço Pereira da Silva, numa publicação de 1915. Além de homem de letras, Silva exerceu também a atividade política, tendo sido presidente do Conselho Municipal entre 1904 e 1907.

A exemplo do anterior, o testemunho a que ora nos referimos, põe em destaque a exuberância dos recursos naturais existentes em terras de Bonfim, sede da comarca do mesmo nome, que compreendia também os municípios de Campo Formoso e de Santo Antônio das Queimadas.

“A zona pastoril – escreve Lourenço Pereira Silva, em Memória Histórica e Geográfica sobre a Comarca do Bonfim – apresenta-se coberta de luxuriante vegetação caatingueira, com ricas pastagens nas extensas chapadas e algumas matas nas encostas da Serra da Itiúba e nos vales do Itapicuru-assu e Itapicuru. A zona agrícola é montanhosa e coberta de matas seculares, que o machado do agricultor imprevidente vai derrubando sem cautela, abrindo imensas clareiras aqui, devastando por completo ali, desnudando assim o solo, que sem força para proteger a umidade, se vai tornando menos fértil, diminuindo de modo assustador a capacidade das vertentes”.

Noutro passo da sua obra magnífica, o ilustrado autor bonfinense noticia que “O progresso de Vila Nova acentuava-se dia-a-dia com a mais lisonjeira evidência, aumentando a população do seu termo, de modo considerável”.

Fechemos esta miscelânea, evocando as palavras do ilustre senador baiano, Rui Barbosa, quando aqui esteve em 5 de dezembro de 1919, na condição de candidato a presidente da República. Frente a uma multidão de cerca de três mil pessoas, o nosso Águia de Haia, proferiu em terras bonfinenses, aquele que foi considerado o melhor e mais eloquente discurso da sua terceira campanha ao então Palácio do Catete. A conferência que teve lugar no Paço Municipal e durou aproximadamente duas horas, foi encerrada de forma lapidar:

“Isto que me está ocorrendo – dizia o tribuno baiano, conforme transcrição do ensaísta bonfinense Adolfo Silva, no seu clássico Bonfim, Terra do Bom Começo – é o alvorecer desse dia. A consciência destas regiões já o sente, e vem encontrar-se aqui, hoje, com a consciência nacional, cuja voz neste momento vos fala por minha, indigna de tanta honra, mas a ela fiel. Dir-se-ia que nos achamos nos Estados Gerais do sertão, aqui reunidos para dar à Bahia a liberdade. É um espetáculo este, cuja magnificência os meus olhos não se saciam de ver, e o meu coração não cansará de guardar. Na contemplação dele se nos mostra que a cidade do Bonfim, hoje, se excede a si mesma. Ela nos cauciona as suas promessas, com o que desde já, em liberalidades inesperadas, nos vai adiantando. A cidade do Bonfim, neste momento, não é só a cidade do Bonfim, mas também a cidade do Bom Começo. Ora, senhores, o bom começar é meio caminho andado para o bom acabar”.

Senhoras e senhores,

Esta é Senhor do Bonfim, o berço querido que não cansamos de cantar e decantar. Os seus feitos gloriosos nos enchem de orgulho, nos nutrem o espírito e nos impulsionam a seguir a luta dos antigos construtores.

Caros acadêmicos, não podemos, nós, ficar aqui apenas a contemplar os feitos dos que fizeram. É necessário que também nós, que envergamos o galardão desta toga, assumamos o compromisso de escrever e reescrever, com a tintura dos tempos hodiernos, a história da terra que amamos.


Olhemos para o futuro e prestemos contas ao passado, pedindo a bênção aos seus grandes formadores. A nossa alma bonfinense é um legado ofertado pelos grandes homens mulheres que nesses 125 anos construíram a grandeza desta terra.


Nossos prédios, nossas ruas, nossas pedras portuguesas, nosso solo, nossos campos e, principalmente nossa gente, trazem a energia do passado, um passado meritório. Os caminhos que pisamos hoje foram as trilhas utilizadas pelos nossos ancestrais, acumulando sonhos, realizações, sentimentos...


Encerramos aqui, evocando a lira maviosa de Augusto Sena Gomes:


(...)
“Terra minha abençoada,
Pelo Senhor amparada,
Quisera sempre viver,
Vendo as tuas serranias
Ao calor das alegrias
Que fazem meu bem-querer...

(...)

Terra minha bem amada,
Flor mimosa perfumada
No jardim do meu sertão,
Meu sonho minha ventura,
É sentir-te na ternura
Dentro do meu coração!

Deixa-me assim contemplar-te
Para mais poder amar-te,
E ter-te perto de mim.
Embevecido, sonhando
Pelo teu porvir, rezando
Ao meu Senhor do Bonfim”.




José Gonçalves do Nascimento
Presidente da ACLASB

sábado, 13 de março de 2010

ANTÔNIO CONSELHEIRO: A LUTA CONTRA A OPRESSÃO

“O homem era alto e magro... sua pele era escura, seus ossos proeminentes e seus olhos ardiam como fogo perpétuo. Calçava sandálias de pastor e a túnica de azulão... era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história...”.

Este, o perfil de Antônio Conselheiro, na visão poética de Mário Vargas Llosa.

No último quartel do século XIX, a figura de Antônio Conselheiro tornou-se um dos principais assuntos do país, com espaço garantido na imprensa, nos fóruns, nos parlamentos, nos gabinetes administrativos, nas igrejas... A saga deste homem resultou no surgimento de uma das mais extraordinárias experiências de organização popular que a história do Brasil já conheceu: o arraial de Canudos ou Belo Monte.

Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu em Quixeramobim, então província do Ceará, no dia 13 de março de 1830. Era filho do comerciante Vicente Mendes Maciel e de Maria Joaquina do Nascimento. Quando jovem frequentou uma das poucas escolas que havia na sua região, onde aprendeu Português, Aritmética, Geografia, além de rudimentos de Latim e Francês. Já naquela época, Antônio demonstrava interesse pela leitura da Bíblia.

As constantes lutas entre os Maciel (família de Antônio Conselheiro) e a família Araújo, sua rival, marcaram profundamente a pessoa de Antônio Vicente, ainda em plena infância. Os Maciel eram, constantemente, acusados de roubos nas propriedades dos Araújo. Essas acusações resultavam em lutas “das mais sangrentas dos sertões do Ceará”, como descreve o historiador João Brígido. A justiça, sempre do lado mais forte, embora reconhecesse a inocência da família Maciel, preferia tomar a defesa dos Araújo.

Era esse o mundo de Antônio Vicente Mendes Maciel. Era esse o Nordeste Brasileiro: chão de injustiça, opressão, dominação, impunidade, seca, fome... mas, também, de muita resistência!


ENVAGELIZAR SEM ARMAS


Homem profundamente religioso, Antônio Vicente não podia dizer “amém” à situação de miséria que tomava conta do Nordeste. Durante 20 anos percorre vários estados nordestinos. Seu propósito era se inteirar dos problemas da região para, a partir daí, empreender a sua missão. Ele sonhava com uma terra livre da dominação dos coronéis.

Antônio não apelou para as armas, nem optou por mecanismos político-partidários. Buscou, antes, transformar a realidade, à luz da palavra libertadora de Deus. O mesmo Deus que caminha com o povo, desde os tempos de Abraão. Por conta dessa missão, Antônio Vicente se converte em Antônio Conselheiro. Sua missão não se restringe apenas a palavra. Envolve, também, a ação. Só a palavra não basta!

Túnica azul, alpercata e bordão! Assim, o profeta sertanejo vai conduzindo seu povo. No início são poucos, depois serão multidões. E a terra da promissão? Estão a caminho! E, enquanto caminham, vão surgindo as construções. Constroem açudes, cemitérios, estradas, capelas... Constroem de acordo com as carências dos pobres que encontram pela frente. Antônio Conselheiro era bom construtor. Herdara do pai essa experiência.

Muitas dessas edificações, ainda podem ser vista por estes sertões. Dois exemplos clássicos são Chorrochó e Monte Santo. Na primeira, a igreja do Senhor do Bonfim; na última, a reforma de parte do caminho da Santa Cruz.


LUGAR SEM RICOS E POBRES


Após longos anos de peregrinação, o grupo resolve se estabelecer em local fixo. O lugar escolhido, Canudos, era uma antiga fazenda de gado situada às margens do Rio Vaza-Barris. As terras eram úmidas e férteis, devido às águas do grande rio, o que proporcionava uma boa agricultura. A vegetação à base de arbustos e favelas favorecia a criação de bode. A pele deste animal chegou a ser exportada para o exterior. Em quatro anos (1893-1897) o arraial aglomerou de 10 a 15 mil pessoas, sendo uma das maiores cidades do estado da Bahia.

Canudos era uma comunidade solidária. Cada um tinha, de acordo com suas necessidades. Ali havia escola e serviço de saúde. Tinha também uma igreja, onde a comunidade se reunia para louvar a Deus. Era uma nova sociedade, muito diferente daquela semi-feudal do restante do Nordeste. O povo vivia decentemente e não dependia dos coronéis. Não demorou muito, e Canudos começou a abalar a velha estrutura rural. A “Canaã do Povo” corria perigo!

A partir de novembro de 1896 se intensifica a perseguição contra a comunidade de Antônio Conselheiro. Com o propósito de construir uma igreja maior em Canudos, o peregrino negocia compra de madeira em Juazeiro. O material comprado e pago, não foi entregue no prazo determinado. A construção, contudo, tinha que continuar. Então, os canudenses tomam a iniciativa de irem, eles mesmos, a Juazeiro a fim de conduzir a madeira até Canudos. A notícia chega à cidade san-franciscana e soa mal aos ouvidos do juiz daquela comarca, Dr. Arlindo Leone, antigo desafeto do Conselheiro. O magistrado alarmou por toda a cidade e vizinhança que os canudenses estariam preparando um saque à feira de Juazeiro. Era a oportunidade que Leone esperava, para acertar contas com Antônio Conselheiro.


RESISTÊNCIA ÀS EXPEDIÇÕES


Sob pretexto de que a cidade de Juazeiro estava prestes a ser invadida por moradores de Canudos, Arlindo Leone requisita do governador da Bahia, Luiz Viana, proteção policial, a fim de conter a suposta invasão. O juiz é atendido, e para Juazeiro é enviada a primeira expedição militar. Composta de 100 praças e comandada pelo tenente Pires Ferreira, esta expedição é derrotada pelos canudenses no combate de Uauá.

Imediatamente é organizada a segunda expedição que, sob o comando do major Febrônio de Brito, tinha 543 praças, 14 oficiais e três médicos. Essa expedição também não resistiu. Foi batida pelos sertanejos, que se valiam de armas rústicas, como espingardas, facões, machados, etc.

Para comandar a terceira expedição contra Canudos, escolheram “a maior estrela do florianismo” – na expressão de José Antonio Sola – o coronel Antônio Moreira César, já famoso por ter liquidado a Campanha Federalista de Santa Catarina. Essa expedição reunia 1.300 homens. Também foi derrotada pelos seguidores de Antônio Conselheiro. Moreira César morreu no início dos combates.

A quarta expedição, destinada a fechar o cerco contra Canudos, foi dividida em duas colunas. Uma coluna partiu de Sergipe, a outra de Monte Santo. A primeira, comandada pelo general Savaget; a segunda sob o comando do general Silva Barbosa. Essa expedição contava com batalhões de 11 estados da Federação.

Depois de muita resistência, tanto do lado do Exercito, como do lado dos sertanejos, Canudos, finalmente, é derrotado. Foi quase um ano de resistência. Tombou por completo no dia 5 de outubro de 1897. Antônio Conselheiro morreu no dia 22 de setembro. No dia 06 de outubro seu corpo foi exumado, decapitado e seu crânio levado a Salvador, a fim de ser examinado cientificamente. Foi uma grande chacina. Nessa guerra morreram milhares de pessoas entre sertanejos e “homens do Governo”.
Euclides da Cunha, jornalista que acompanhou o desenrolar da quarta expedição, escreveu no final d'Os Sertões”, o seu livro vingador: “Canudos não se rendeu, exemplo único em toda história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5 ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados”.

Sobre esses “quatro”, Enrique Duque Estrada de Macedo Soares, tem melhor descrição: “um velho, um rapaz de 10 a 18 anos, um preto e um caboclo”. Para Edmundo Moniz, aí estava a representação das três raças que, unidas, lutaram contra a fome, a miséria e a opressão.


José Gonçalves do Nascimento
(Membro da Academia de Ciências, Artes de Letras de Senhor do Bonfim)

(Nota: artigo publicado, originalmente, no Jornal de Opinião, de Belo Horizonte, edição de 12-18 de agosto de 1990)

segunda-feira, 1 de março de 2010

SENHOR DO BONFIM E A GUERRA DE CANUDOS

Instalado às margens do rio Vaza Barris, em 1893, por obra de Antônio Conselheiro, Canudos foi, talvez, o maior exemplo de insubordinação popular que a história do Brasil já registrou. Em apenas quatro anos (1893-1897), o arraial, que começou com um número pequeno de pessoas, já era um dos maiores centros populacionais do interior da Bahia, sendo responsável, inclusive, pela sua autossustentação. Seu status de sociedade autônoma e insubmissa aos ditames oficiais terminou despertando a ira das elites brasileiras, as quais resolveram apelar para o confronto. Assim, tinha lugar a guerra de Canudos. A luta, que durou cerca de um ano, mobilizou quatro expedições do Exército Brasileiro e matou milhares de pessoas, entre soldados e adeptos do Conselheiro.

Ao vasculhar os anais da história bonfinense nos deparamos com informações altamente valiosas, acerca da participação de Senhor do Bonfim nos fatos relativos ao episódio de Canudos.

A primeira delas, quem nos traz é o ilustre escritor Nertan Macedo, numa publicação dos anos sessenta, e se refere a dois irmãos cearenses, Antônio e Honório Assunção – os irmãos Vilanova, como ficariam conhecidos mais tarde. Os dois foram tangidos do Ceará pela terrível seca de 1877, vindo parar na então Vila Nova da Rainha, donde o cognome Vilanova. Antônio era comerciante; Honório, mais moço, era seleiro. Estabelecidos na nova terra, aqui fizeram vida e constituíram família.

Certa feita, o cônego Pedro Hugo chamou Antônio Vilanova e disse: “Sei que você gosta de mascateação. Vou fazer uma desobriga e você vai comigo. Poderá vender muito pelo caminho.” E se foram, ambos, caatinga a dentro. Em Uauá, última etapa da desobriga, Antônio deixa o cura e prossegue viagem até Canudos, unindo-se a um grupo de peregrinos que demandava o “arraial sagrado”. O mascateador gostou tanto de Canudos, que terminou ali ficando. De Vila Nova da Rainha, Honório ia despachando a mercadoria que Antônio solicitava, de sorte que Canudos passou a abastecer-se, basicamente, das mercadorias oriundas da então futura Terra do Bom Começo. Tempos depois, a convite do irmão, Honório Vilanova também mudaria para Canudos.

Não demorou muito, e os irmãos Vilanova se tornaram detentores do maior estabelecimento comercial de Canudos, o que lhes conferiu prestígio e os fez participar do grupo das pessoas mais influentes do séquito conselheirista. Antes de findar a guerra, e com o consentimento de Antônio Conselheiro, os dois voltariam para o Ceará, levando boa parte de suas fortunas.

Outras informações dignas de nota dizem respeito à fase da guerra, propriamente dita, e têm como responsável o escritor bonfinense Lourenço Pereira da Silva, no livro Memória Histórica e Geográfica da Comarca do Bonfim, de 1915. Contemporâneo dos acontecimentos que abalaram o sertão da Bahia, no final do século XIX, Silva nos oferece informações muito valiosas, no que se refere à participação de Senhor do Bonfim na guerra de Canudos.

Vejamos os fatos.

No início de março de 1897, após o fracasso da 3ª expedição, comandada pelo coronel Moreira César, o Conselho Municipal, sob a liderança de João Martins Fontes, emitiu a seguinte nota de pesar: “O Conselho Municipal da cidade do Bonfim, vivamente impressionado pelo insucesso da expedição enviada pelo governo federal para destroçar os fanáticos de Canudos, capitaneados por Antônio Conselheiro (...), deixa consignada aqui a expressão de seu profundo pesar por tão lamentável acontecimento”. O mesmo Conselho votou, no final de março, um projeto do intendente Antônio Laurindo da Silva, que dava a alguns logradouros de Bonfim, nomes de oficiais mortos durante o enfrentamento da 3ª expedição. Pelo projeto, as antigas praças do Campo do Gado e do Reservatório passaram a se chamar Coronel Moreira César, e Capitão Salomão, respectivamente. Já o Coronel Tamarindo batizou uma rua que surgia atrás da praça Dr. José Gonçalves. A essas manifestações seguiram-se, ainda, duas missas de trigésimo dia, que a municipalidade mandou celebrar, em sufrágio dos mortos.

Com a chegada da 4ª expedição ao teatro da luta, estreita-se ainda mais a relação de Senhor do Bonfim com a guerra de Canudos. É revelador neste sentido, o fato da antiga Vila Nova da Rainha ter se transformado no principal centro de fornecimento de víveres para as forças legais, “subindo a cerca de dez mil, o número de bovinos fornecidos no espaço de sete meses”.

Concomitante a isso, a filarmônica União e Recreio arrecadou e entregou quase três contos de réis ao Comitê Patriótico da Ba
hia, uma organização não governamental fundada, à época, com a finalidade de prestar socorro aos soldados envolvidos no conflito.

Finda a guerra, a cidade foi palco de várias manifestações, em comemoração à vitória das forças expedicionárias. Ao som da União e Recreio, diversas autoridades e famílias de Bonfim se dirigiram à cidade de Queimadas, em trem especial, a fim de aplaudir de perto o comandante das forças em operação, general Artur Oscar Guimarães.

Não menos calorosa, foi a recepção que a população bonfinense fez ao coronel José Siqueira de Menezes, que esteve em Senhor do Bonfim poucos dias após o término da guerra. Meneses, um dos militares que mais se destacaram no campo de batalha, foi recepcionado no antigo Hotel Loureiro, onde participou de jantar oferecido em sua homenagem.

Portanto, Senhor do Bonfim teve participação relevante nos fatos de Canudos. Mais ainda: sua participação foi decisiva para que tais fatos tivessem o desfecho que tiveram.



José Gonçalves do Nascimento
(Presidente da Academia de Ciências, Artes e Letras de Senhor do Bonfim - ACLASB)