quinta-feira, 9 de junho de 2011

JOSÉ GONÇALVES: CENTENÁRIO DE MORTE

O homem é ele e suas circunstâncias.

(Ortega y Gasset)

Na ocasião do centenário de morte de Dr. José Gonçalves da Silva, damo-nos à tarefa de destacar alguns dos traços de maior relevo na vida política deste que foi uma das personagens mais vibrantes da história baiana, tendo sido, entre outras coisas, o primeiro intendente de Senhor do Bonfim e o primeiro governador constitucional da Bahia.

José Gonçalves da Silva nasceu em Mata de São João, em 28 de dezembro de 1838. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo em 1859, e em 1860 fixou residência na fazenda Piabas, na época território de Vila Nova da Rainha, hoje município de Campo Formoso, onde começa a atividade política filiado ao Partido Conservador.

Em 1862 foi nomeado Coronel da Guarda Nacional, o que conferiu prestígio ao jovem bacharel de apenas 24 anos, lançando-o na seara política, onde atuou por várias décadas.

De fato, pouco tempo depois, 1895, assumiu ele o comando local do Partido Conservador e, no mesmo ano, tendo lugar as eleições municipais, impôs fragorosa derrota às forças adversárias.
Em 1868 foi eleito deputado provincial e, logo em seguida, teve o nome sufragado para deputado Geral na Corte, pela Província da Bahia. Durante o mandato parlamentar, tomou parte em discussões históricas como as que trataram da abolição da escravatura.

Afastado da política nos últimos anos do Império, foi, entretanto, um dos primeiros chefes políticos a aderir ao regime republicano instalado em 15 de novembro de 1889. Foi ele o “inspirador da adesão de Bonfim à República”, como pontua o douto ensaísta bonfinense Adolfo Silva. Sob sua liderança, foi organizada no dia 17 de novembro de 1889, concorrida passeata pelas ruas de Senhor do Bonfim, em apoio à nova forma de Governo. No dia 19 do mesmo mês, sempre sob sua inspiração, teve lugar na Câmara de Vereadores a adesão oficial da Vila ao regime imposto por Deodoro da Fonseca.

Em fevereiro de 1890 foi nomeado primeiro intendente municipal de Senhor do Bonfim, cargo que ocupou até 15 de outubro do mesmo ano, quando, por nomeação do Governo Provisório, passa a assumir o Governo do Estado.

No dia 2 de julho de 1891, no mesmo dia da promulgação da Primeira Constituição Republicana da Bahia e com apoio dos líderes mais importantes do Partido Conservador, como Luiz Viana, rico proprietário de terras do município de Casa Nova e Cícero Dantas Martins, o Barão de Jeremoabo, chefe político e latifundiário, com larga influência em diversos municípios do sertão baiano e até de Sergipe, era o líder vilanovense eleito pelo voto dos constituintes primeiro Governador Constitucional do Estado da Bahia.

Investido do cargo máximo do Executivo Baiano, passou ele a dar as cartas na política estadual. Na eleição para a assembléia constituinte em 1891, elegeu todos os 21 senadores estaduais, como previa o sistema bicameral da época, e a grande maioria dos membros da Assembleia Legislativa.
As coisas iam de vento em popa a seu favor até que um fato de alcance nacional mudasse o curso das águas.

Quando em novembro de 1891 o Marechal Deodoro da Fonseca, querendo afirmar sua autonomia sobre o Poder Legislativo, determina a dissolução da Câmara e do Senado, José Gonçalves lhe emprestou apoio. A posição do Governador não agradou a seus aliados que esperavam uma atitude mais cautelosa por parte do Chefe do Executivo.

Mergulhado na primeira crise institucional do Governo Republicano e acuado por todos os lados, quer por políticos sequiosos de poder, quer por militares insatisfeitos com os rumos da política, Deodoro acaba renunciando ao posto para dar lugar ao vice Floriano Peixoto. Alçado ao poder, Floriano começa a caça às bruxas, fazendo derrocar, um a um, os governadores fiéis a Deodoro.
José Gonçalves era um desses.

Tão logo chegaram a Salvador as notícias da renúncia do Marechal, a oposição, liderada pelo Deputado Federal Cézar Zama, se reúne e pede a cabeça do Governador. Este ainda resiste, mas enfraquecido e sem contar com o apoio dos próprios partidários, acaba deposto, assumindo o Governo o Presidente do Senado Estadual, conforme determinava a Constituição da Bahia.
Em 1892, à frente os remanescentes do antigo Partido Conservador, é fundado na Bahia o Partido Republicano Federalista, sendo José Gonçalves escolhido presidente da nova agremiação. Naquele mesmo ano, havendo lugar as eleições parlamentares, foi o mesmo eleito Senador Estadual, cargo que renunciaria mais tarde, quando da cisão do partido que chefiava.

Em junho de 1893 ocorre o que há muito já se esperava. As divergências entre José Gonçalves e Luis Viana, ambos senadores estaduais, em torno da limitação ou não da autonomia municipal, provocaram um racha no Partido Republicano Federalista, o que resultou na configuração de dois grupos antagônicos: o Vianista e o Gonçalvista. Essa cisão levaria ao surgimento de dois novos partidos: o Partido Republicano Federal da Bahia, chefiado por Viana e o Partido Republicano Constitucional, regido por Gonçalves e seu aliado, o também senador estadual Barão de Jeremoabo.

Derrotado em 94 nas eleições para o Senado Federal, José Gonçalves é reeleito no mesmo ano senador estadual, num processo de escolha de todo inusitado. Postas as eleições, era a primeira vez que os dois grupos rivais iriam medir suas forças num pleito de nível estadual e nenhum deles poderia fraquejar. Do contrário, seria alijado do poder. No momento da apuração, apesar dos esforços de fiscalização empreendidos por ambas as partes, nenhuma das facções ligou para o resultado das urnas, “empanturrando de votos os seus candidatos e dando-os como eleitos,” como recorda o historiador Antônio Ferrão Moniz de Aragão.

Tal procedimento levou a uma duplicata de atas eleitorais, lavradas a bico de pena, que geraram a duplicata de diplomas e, por conseguinte, a duplicata do Poder Legislativo – Assembleia e Senado. De forma que a Bahia passou a ter dois Legislativos operando paralelamente. O oficial, liderado pelos governistas, tendo à frente Luis Viana; e o extra-oficial, capitaneado por José Gonçalves e seu fiel escudeiro, o Barão de Jeremoabo.

A mesma situação repetir-se-ia em 1895, desta feita, em relação ao Executivo Estadual. Com problemas de saúde, o Governador Rodrigues Lima teve que se licenciar da função, cabendo ao presidente do Senado Estadual suprir a vacância do cargo. Como havia dois senados e, consequentemente, dois presidentes reivindicando o mesmo posto, acabou por proceder-se também à dualidade do Poder Executivo. Assim, de 18 de outubro a 20 de dezembro de 95, a Bahia operou com dois chefes do Executivo. O impasse só se resolveu quando Lima retornou ao Governo.

Encontrava-se José Gonçalves sem mandato, quando, em 1896, Luis Viana foi eleito Governador do Estado. Na época tomava corpo no sertão o movimento de Canudos, liderado pelo beato cearense Antônio Conselheiro. Tido pelas elites conservadoras como uma tentativa de restauração da Monarquia, tal movimento passou a ser instrumentalizado pela dupla Gonçalves/Jeremoabo, com o fim de desestabilizar o Governo de Viana. Desse modo, tentando forçar uma intervenção federal no Estado, o que de certo favoreceria a oposição, os dois líderes oposicionistas começam a acusar o Chefe do Executivo de tolerância em relação aos fatos de Canudos, alegando que se o mesmo assim procedia era porque nutria algum apreço pela causa da restauração monárquica, supostamente assumida no âmbito da comunidade canudense. Pressionado, Luis Viana declara guerra às hostes conselheiristas. Assim, Canudos se transformava em “bode expiatório” de uma das mais acirradas disputas da história política da Bahia.

O fim da guerra de Canudos e a consequente vitória das forças expedicionárias consolidaram a liderança do grupo vianista. Alijado do poder e sem o prestígio político de outrora, o ex-líder conservador de Vila Nova da Rainha, sempre ao lado do amigo fiel, o barão de Jeremoabo, ainda tentou, mas não conseguiu se reerguer.

Era o fim de uma trajetória política.

Em 1907, após sucessivas derrotas, José Gonçalves recolhe-se de forma definitiva em seu “feudo”, onde falece em 15 de agosto de 1911.

José Gonçalves do Nascimento
Presidente da Academia de Letras e Artes de Senhor do Bonfim-Ba.

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