quinta-feira, 8 de outubro de 2009

100 ANOS DA MISSÃO CAPUCHINHA A CANUDOS


Diversos fatos relacionados à guerra de Canudos estarão sendo rememorados até 1997, ano do Centenário do terrível conflito que abalou o nordeste brasileiro.


Em 1993 foi a vez do centenário da construção de Canudos ou Belo Monte, arraial situado no sertão da Bahia, à beira do Rio Vaza-Barris, em área que hoje se encontra coberta pelas águas do açude do Cocorobó. Fruto da ação do peregrino cearense Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro (1830-1897), juntamente com seus seguidores, Canudos representou o eterno sonho do povo nordestino: terra livre e justiça. Ali, longe do espírito coronelista, o sertanejo pôde viver, de fato, a partilha e a solidariedade.


Este ano (1995), é a vez do centenário da missão capuchinha realizada na comunidade de Canudos com o objetivo de dispersar os adeptos do Conselheiro. O que poderia significar tal missão no desenrolar do processo que levou ao extermínio o arraial sertanejo?


UMA COMUNIDADE AUTO-SUFICIENTE


Canudos vinha, há tempo, provocando desassossego no Governo, nos fazendeiros e também na Igreja. A comunidade cresceu e se tornou auto-suficiente. Não dependia do Estado nem dos senhores da terra. Isto, de certo modo, representou uma afronta ao poder político e fundiário.


Do lado religioso, a pregação do Conselheiro obtinha grande respaldo por parte das populações sertanejas. E isto deixava a Igreja enciumada. Os fiéis preferiam as prédicas do Conselheiro aos sermões enfadonhos dos párocos. O arcebispo da Bahia, por mais de uma vez, se manifestou contra o beato cearense.


Com efeito, a preocupação da Igreja se une à do Estado e a dos fazendeiros. O governador da Bahia recorre ao arcebispo e este manda ao sertão dois capuchinhos do Hospício da Piedade (Salvador): frei João Evangelista do Monte Marciano e frei Caetano de São Léo que, acompanhados do padre Sabino, vigário do Cumbe (atual Euclides da Cunha), missionam em Canudos de 13 a 20 de maio de 1895.


A ida dos capuchos ao Belo Monte tinha como proposta desarticular os moradores e pôr fim à comunidade. Além de outras fontes que tratam do assunto, o próprio frei João Evangelista, confirma esse propósito.


Contudo, o objetivo imediato da missão não foi alcançado. Unanimente repudiados, os religiosos tiveram que regressar antes mesmo do prazo previsto. Voltaram para casa levando consigo os traumas do fracasso.


O relatório encaminhado por Frei João Evangelista ao arcebispo da Bahia, apresentando o (in) sucesso da missão capuchinha, um dos documentos mais importantes da historiografia canudense, não apenas revela a real intenção dos frades, como também desfere seríssimos ataques à imagem do Belo monte. Caracterizado pela má vontade dos que ali foram com o firme propósito de desestabilizar a organização, o relatório torna-se peça fundamental de apoio aos inimigos do Conselheiro e sinal verde para o ataque do Governo, fato que se consumará um ano e meio depois.


AS INVERDADES DO RELATÓRIO


O relatório do frade trata basicamente de três questões:


Questão política

Dando bastante ênfase ao aspecto político, o relato de frei João acusa Antonio Conselheiro de inimigo da Republica e restaurador da Monarquia.


Trata-se, porém, de acusação infundada, pois mesmo os inimigos do Conselheiro, entre os quais Rui Barbosa, reconheceram não ter havido em Canudos “o mais leve indício de mescla restauradora”.


Não é de se desconhecer a natureza política do movimento conselheirista. Isto, contudo, não implicou na defesa de nenhuma bandeira, fosse ela monarquista, fosse ela republicana. A intenção de Antônio Conselheiro – tanto a sua prédica, como a sua prática o demonstram – era criar uma comunidade solidária, nos moldes das primitivas comunidades cristãs. Uma ideia dessa natureza, diante de um sistema que tratava os pobres como simples mão-de-obra, só tinha que gerar conflito.


Questão religiosa

O documento do frade também aponta o Conselheiro como fanático, herege e cismático; alguém a conduzir o povo por um caminho diferente do da verdadeira religião.


Todavia as prédicas do Conselheiro atestam o contrário. Nelas não há nada que distoe da doutrina Católica. Basta ver com quanta insistência cita os grandes mestres da Igreja, a exemplo de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São João Crisóstomo e outros tantos. Se a pregação do Conselheiro diferia da de certos padres, era porque procurava transferir para a terra aquilo que eles só conseguiam enxergar no além-túmulo.


Questão econômica

O capuchinho afirma que Canudos viva num estado de “extrema miséria”, onde as pessoas chegavam mesmo a morrer de fome.


Outros testemunhos da época contrariam tal afirmação. Cézar Zama, político baiano e Manoel Benicio, jornalista e militar, garantem ter sido Canudos uma comunidade economicamente próspera. Aproveitando a fertilidade do Vaza-Barris, lá se cultivavam legumes, cereais, mandioca, cana, etc. Tudo com muita fartura. O bode assumia papel importante no âmbito da economia canudense. O arraial de Canudos tornou-se ponto importante de venda de peles “o que proporcionava ao Estado pingue fonte de receita de imposto de exportação sobre peles”. Informa Zama.


O relatório preconceituoso de frei João acabou por entregar o Belo Monte à violência do Governo. Ele termina sentenciando o destino dos canudenses: ”Aí vem tempos em que forças irresistíveis te sitiarão, braço poderoso te derrubará, arrazando as tuas trincheiras, desarmando os teus esbirros, dissolverá a seita impostora e maligna”.


A missão, que a principio pareceu fracassada, conseguiu seu sucesso com o efeito do relatório que dela se originou. Aquele que era seu objetivo imediato só foi alcançado no final de 1897: a completa dispersão da comunidade num genocídio que ceifou a vida de milhares de pessoas, entre conselheiristas e homens de armas. Era o trágico fim de uma gente que sonhou ser feliz.


Ainda bem que o sonho não morreu!



José Gonçalves do Nascimento

(Membro da Academia de Letras, Artes e Ciências de Senhor do Bonfim)


(Nota: artigo publicado no Jornal de Opinião da Arquidiocese de Belo Horizonte, edição de 8 a 14 de abril de 1995)

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