terça-feira, 25 de maio de 2010
DISCURSO DO PRESIDENTE DA ACLASB, POR OCASIÃO DOS 125 ANOS DE SENHOR DO BONFIM
Sentimo-nos lisonjeados de, na condição de presidente da augusta Academia de Ciências, Artes e Letras de Senhor do Bonfim, participar deste ato solene em comemoração aos 125 anos desta elegante e hospitaleira cidade.
Reportamo-nos aqui, àquele longínquo 28 de maio de 1885, ainda em plena Monarquia, quando pela Lei Provincial de n° 2.499, a antiga vila, denominada Vila Nova da Rainha, condição que ostentava desde 1799, é elevada à categoria de Cidade, com o “auspicioso” nome de Senhor do Bonfim.
Mais do que um marco cívico na vida dos cidadãos e cidadãs, o aniversário de uma cidade é uma página que viramos para conquistar novos sonhos e continuar reescrevendo a história.
Comemorar implica fazer recordar, lembrar, trazer à memória, solenizar para recordar.
Neste sentido, queremos trazer para este ato solene e comemorativo a memória de todos aqueles que, indistintamente, independente de estratificação social, contribuíram para o progresso e o engrandecimento desta terra.
Na mesma perspectiva, achamos oportuno incorporar a esta humilde intervenção, algumas das inúmeras impressões que se registraram sobre Senhor do Bonfim, ao longo de sua história. Cremos de bom alvitre, dar a eles, os responsáveis por esses testemunhos, a oportunidade de puderem falar novamente.
O primeiro testemunho, para obedecermos a ordem cronológica, nos vem de Carlos Frederico Philippe von Martius, naturalista alemão, designado por ninguém menos que sua majestade, D. João VI, na época em que o Brasil servia de refugio à dinastia de Bragança, para pesquisar as províncias mais importantes do Brasil e formar coleções botânicas, zoológicas e mineralógicas.
Von Martius esteve em Vila Nova da Rainha, segundo ele mesmo informa, em março de 1819, num momento em que uma terrível seca devastava a região. Em razão disso, nos legou impressões por demais negativas a respeito da então futura Terra do Bom Começo. As informações constam do livro Através da Bahia, escrito em alemão e vertido para o português em 1916, portanto cem anos depois. É o que veremos, em fragmentos:
“Vila Nova da Rainha, chamada Jacobina Nova, foi sempre uma aldeia pobre cuja prosperidade depende do comércio entre a Bahia e a província do Piauí. Achava-se pela absoluta falta de chuvas, num estado de consternação, num abatimento e calamidade de que então não podíamos fazer ideia. Vimos grandes plantações de feijão, milho e mandioca, todas queimadas pelo sol violento, como entre nós acontece pela ação extemporânea da friagem. Campos, estorricados pela grande seca, haviam ficado sem plantação desde alguns anos, deixando ver fileiras de troncos sem folhas e sem vida. Nada podia mais concorrer para diminuir as esperanças exageradas de muitos imigrantes europeus irrefletidos, do que o aspecto de uma vegetação assim assolada. Muito gado havia perecido de fome e sede e uma parte dos moradores abastados mudaram-se para o Rio São Francisco, de onde presentemente se importavam todos os mantimentos”.
O cientista germânico, contudo, nos traz informação reveladora: “Tamanha pobreza agrícola – continua ele – como a que ali observamos, nos parecia tanto mais inesperada, quando os arredores da vila se prestavam a qualquer cultura, pois a aldeia é rodeada de montanhas (...) que em seus vales têm caatingas altas e camadas de humo relativamente espessa”.
O cenário de von Martius seria contrastado, cerca de 70 anos depois, pelo de Durval Vieira de Aguiar – coronel da Polícia Militar da Bahia, incumbido de percorrer os municípios da província baiana, a fim de traçar-lhes o perfil sócio, político e geográfico. Esse trabalho de gigante originaria o volume intitulado Descrições Práticas da Província da Bahia, em cujas páginas avulta o nome de Senhor do Bonfim. Da visita, ocorrida provavelmente em 1888, resultaria o depoimento que transcrevemos em parte:
“A cidade há poucos anos tinha 1.005 prédios, divididos em dois bairros: um antigo, com velhas e feias casas, fica na parte mais baixa – do lado em que se acha a estação; o outro, mais modernamente construído, aumenta progressivamente de edificação em torno e nas imediações da praça do mercado, a qual se compõe de um grande quadrilongo levemente arrampado. Aí acha-se localizado o grande e animado comércio, constante de muitas e bem sortidas lojas e armazéns. A feira que ali se faz nos sábados, é ainda incontestavelmente uma das primeiras da Província, tanto pela grande concorrência, avaliada em mais de 20 mil pessoas, como pela afluência de gêneros e giro de grandes capitais. Em tempo de seca esse grande mercado abastece Monte Santo, Juazeiro, Capim Grosso (atualmente Curaçá) e até parte dos sertões do Ceará (...). Nas imediações da cidade existem magníficos sítios de uma verdura encantadora em frutas e cereais. (...) Os demais terrenos semeados de grotas, regados de riachos, sombreados por matas e montanhas, oferecem à lavoura, no fundo dos vales, uma prodigiosa fertilidade, perfeitamente abrigada dos ardores do sol, que resseca a parte saliente destinada a criação, para a qual existem diversas fazendas (...) O termo de Vila Nova é um verdadeiro oásis posto no meio dos agrestes e quase estéreis tabuleiros do norte do nosso sertão (...) O clima é ameno e perfeitamente salubre, a água é excelente e a alimentação boa e barata. (...) A pequena lavoura [uma referência, poderíamos dizer, em termos modernos, à Agricultura Familiar – NdA], justamente a que engrandece os países, e não a que monopoliza, é que abastece o termo, e que vai crescendo sem sentir o braço escravo, coisa rara no sertão, e cujo desaparecimento só aflige aos grandes senhores do recôncavo”.
Outro testemunho digno de nota nos legou o escritor bonfinense Lourenço Pereira da Silva, numa publicação de 1915. Além de homem de letras, Silva exerceu também a atividade política, tendo sido presidente do Conselho Municipal entre 1904 e 1907.
A exemplo do anterior, o testemunho a que ora nos referimos, põe em destaque a exuberância dos recursos naturais existentes em terras de Bonfim, sede da comarca do mesmo nome, que compreendia também os municípios de Campo Formoso e de Santo Antônio das Queimadas.
“A zona pastoril – escreve Lourenço Pereira Silva, em Memória Histórica e Geográfica sobre a Comarca do Bonfim – apresenta-se coberta de luxuriante vegetação caatingueira, com ricas pastagens nas extensas chapadas e algumas matas nas encostas da Serra da Itiúba e nos vales do Itapicuru-assu e Itapicuru. A zona agrícola é montanhosa e coberta de matas seculares, que o machado do agricultor imprevidente vai derrubando sem cautela, abrindo imensas clareiras aqui, devastando por completo ali, desnudando assim o solo, que sem força para proteger a umidade, se vai tornando menos fértil, diminuindo de modo assustador a capacidade das vertentes”.
Noutro passo da sua obra magnífica, o ilustrado autor bonfinense noticia que “O progresso de Vila Nova acentuava-se dia-a-dia com a mais lisonjeira evidência, aumentando a população do seu termo, de modo considerável”.
Fechemos esta miscelânea, evocando as palavras do ilustre senador baiano, Rui Barbosa, quando aqui esteve em 5 de dezembro de 1919, na condição de candidato a presidente da República. Frente a uma multidão de cerca de três mil pessoas, o nosso Águia de Haia, proferiu em terras bonfinenses, aquele que foi considerado o melhor e mais eloquente discurso da sua terceira campanha ao então Palácio do Catete. A conferência que teve lugar no Paço Municipal e durou aproximadamente duas horas, foi encerrada de forma lapidar:
“Isto que me está ocorrendo – dizia o tribuno baiano, conforme transcrição do ensaísta bonfinense Adolfo Silva, no seu clássico Bonfim, Terra do Bom Começo – é o alvorecer desse dia. A consciência destas regiões já o sente, e vem encontrar-se aqui, hoje, com a consciência nacional, cuja voz neste momento vos fala por minha, indigna de tanta honra, mas a ela fiel. Dir-se-ia que nos achamos nos Estados Gerais do sertão, aqui reunidos para dar à Bahia a liberdade. É um espetáculo este, cuja magnificência os meus olhos não se saciam de ver, e o meu coração não cansará de guardar. Na contemplação dele se nos mostra que a cidade do Bonfim, hoje, se excede a si mesma. Ela nos cauciona as suas promessas, com o que desde já, em liberalidades inesperadas, nos vai adiantando. A cidade do Bonfim, neste momento, não é só a cidade do Bonfim, mas também a cidade do Bom Começo. Ora, senhores, o bom começar é meio caminho andado para o bom acabar”.
Senhoras e senhores,
Esta é Senhor do Bonfim, o berço querido que não cansamos de cantar e decantar. Os seus feitos gloriosos nos enchem de orgulho, nos nutrem o espírito e nos impulsionam a seguir a luta dos antigos construtores.
Caros acadêmicos, não podemos, nós, ficar aqui apenas a contemplar os feitos dos que fizeram. É necessário que também nós, que envergamos o galardão desta toga, assumamos o compromisso de escrever e reescrever, com a tintura dos tempos hodiernos, a história da terra que amamos.
Olhemos para o futuro e prestemos contas ao passado, pedindo a bênção aos seus grandes formadores. A nossa alma bonfinense é um legado ofertado pelos grandes homens mulheres que nesses 125 anos construíram a grandeza desta terra.
Nossos prédios, nossas ruas, nossas pedras portuguesas, nosso solo, nossos campos e, principalmente nossa gente, trazem a energia do passado, um passado meritório. Os caminhos que pisamos hoje foram as trilhas utilizadas pelos nossos ancestrais, acumulando sonhos, realizações, sentimentos...
Encerramos aqui, evocando a lira maviosa de Augusto Sena Gomes:
(...)
“Terra minha abençoada,
Pelo Senhor amparada,
Quisera sempre viver,
Vendo as tuas serranias
Ao calor das alegrias
Que fazem meu bem-querer...
(...)
Terra minha bem amada,
Flor mimosa perfumada
No jardim do meu sertão,
Meu sonho minha ventura,
É sentir-te na ternura
Dentro do meu coração!
Deixa-me assim contemplar-te
Para mais poder amar-te,
E ter-te perto de mim.
Embevecido, sonhando
Pelo teu porvir, rezando
Ao meu Senhor do Bonfim”.
José Gonçalves do Nascimento
Presidente da ACLASB
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