quarta-feira, 17 de junho de 2009

CANUDOS: O SONHO PROIBIDO

Dentre os muitos fatores que motivaram o extermínio da comunidade sertaneja de Canudos, elencaremos os três mais significativos: os fatores político, econômico e religioso.

No campo político dominava a idéia – em que pese não haver sido compartilhada por todos – de que a comunidade de Canudos, fundada em 1893 pelo beato cearense Antonio Conselheiro, seria um foco de restauração monárquica instalado no sertão, algo que punha em risco a República então nascente. Tal problemática entra na pauta da política baiana e passa a ser explorada como uma peça a mais na enorme rede de intrigas que envolvia os dois maiores caciques políticos da época: o governador Luis Viana e o seu opositor, o ex-governador José Gonçalves. Tentando forçar uma intervenção federal no Estado – o que seria de grande proveito para a oposição – Gonçalves, em coro com seu aliado, Cícero Dantas Martins, o barão de Geremoabo, acusa Viana de tolerância em relação aos fatos de Canudos, alegando que se o governador assim se posicionava era porque nutria simpatias pela causa da restauração, supostamente assumida no âmbito da comunidade canudense. Pressionado, Luis Viana se decidirá pelo aniquilamento de Canudos. Canudos torna-se, então, bode expiatório dos interesses de duas facções políticas que por tanto tempo mantiveram a Bahia mergulhada no atraso e no analfabetismo.


No tocante ao fator econômico, cabe acentuar a insatisfação dos fazendeiros quanto à escassez de mão de obra nas suas propriedades, uma vez que os camponeses – os mesmos que poderiam suprir a demanda – passaram a migrar, em massa, para Canudos. E isto, diga-se de passagem, no momento em que se abolia no país o sistema de trabalho escravo. São bem conhecidas, a propósito, as queixas de alguns fazendeiros da região entre eles, o já aludido Barão de Geremoabo detentor de várias possessões na área onde se instalou a comuna sagrada de Antonio Conselheiro. Deste modo, a comunidade de Canudos passava a ser encarada como uma forte ameaça à estabilidade do sistema fundiário sertanejo que, baseado no latifúndio e na escravização da força de trabalho imperava, há séculos, por aquelas terras A ameaça teria que ser afastada. Foram inúmeras as intervenções dos fazendeiros junto às autoridades competentes, pedindo providências no sentido de que fossem desbaratados os sertanejos reunidos em Canudos.



O “incômodo” estendia-se também ao ambiente religioso. A pregação de Antonio Conselheiro, arrastava multidões de fiéis e diminuía de forma significativa a influência da Igreja Católica entre as populações sertanejas, enfraquecendo “não pouco – queixava-se o arcebispo da Bahia – a autoridade dos párocos”. A ausência de testemunho evangélico por parte dos padres, contribuía mais ainda para essa situação. Um cronista da época – Manuel Benício – anotou que “o povo comparando a vida austera e moralizada de Antonio Conselheiro com a vida livre e pouco exemplar dos padres seguia de preferência o profeta de Canudos”. E mais: inteiramente identificado com a realidade do povo pobre do sertão, Antonio Conselheiro procurou conciliar a fé à ação transformando em realidade aquilo que os padres só conseguiam visualizar no além túmulo. É nesta perspectiva, aliás, que situamos as diversas obras que ele espalhou por esses sertões. Abalada na sua condição de detentora do monopólio da fé, a Igreja engrossará a sua perseguição aos insubordinados do Conselheiro. No relatório encaminhado à autoridade eclesiástica dando conta dos insucessos da missão capuchinha a Canudos realizada em 1895 com o propósito de dispersar a população ali congregada, os missionários sentenciam: “... aí vêm tempos em que forças irresistíveis te sitiarão; braço poderoso te derrubará e, arrasando as tuas trincheiras, desarmando os teus esbirros, dissolverá a seita impostora e maligna, que te reduziu ao teu jugo odioso e aviltante”. Tornava-se a Igreja porta-voz – papel que, aliás, desempenhou muito bem – dos interesses de todos aqueles que reclamavam o extermínio da comunidade canudense.


Não demorou muito, e as providências foram tomadas. No final de 1896, com o apoio da Igreja Católica e das elites baianas, o Governo da República declara guerra aos sertões. Era a reposta. A Guerra de Canudos durou um ano, ceifou milhares de vidas – tanto da parte dos sertanejos quanto da parte do Exército – e abriu na alma da pátria brasileira, uma ferida que ainda hoje não cicatrizou. Canudos tornou-se o sonho proibido!




José Gonçalves do Nascimento


Senhor do Bonfim - Bahia

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